A Magia e o Desenvolvimento da Alma em Platão
Filosofia e Magia — Capítulo 01
Criado a partir de análises comparativas sob duas diferentes perspectivas, este estudo tem por objetivo estabelecer relações e associações entre a magia e a filosofia através das perspectivas do ocultismo de diversas vertentes e da obra de Platão. Nossa intenção é a de identificar semelhanças contextuais e semânticas que abarcariam as duas áreas (magia e filosofia) com o intuito de desenvolver, através de uma série de pequenos textos, as relações entre os princípios herméticos e outros saberes ocultos e a teoria da alma em Platão, utilizando como base primária as Leis Herméticas contidas em O Caibalion e a teoria gnóstica neoplatônica baseada nos Oráculos Caldeus, assim com o conteúdo exposto em Fedon e A República e nas obras de comentadores da filosofia clássica como Werner Jaeger, François Chatelet, Pierre Aubanque e Martha Nussbaum.
Nosso compromisso se baseia no estudo comparativo das obras originais para buscar identificar as relações ocultas entre esses saberes, para propor um estudo conjunto das duas áreas de conhecimento apresentadas com o intuito de elucidar tais relações de forma normativa assim como fomentar um desenvolvimento estrutural que as vincule e que sirva de base para novas associações por estudiosos das duas áreas.
Para este primeiro texto iremos expor o conceito de eudaimonia, que para os gregos seria o tipo ideal de vida almejada, ou em termos mais simples “a boa vida” e sua relação com o desenvolvimento de uma práxis guiada pela razão, através da filosofia, em busca da auto suficiência e da Polis ideal. Um dos mais importantes pensadores gregos a discutir a questão da eudaimonia foi Platão e segundo ele, para realmente se atingir a excelência é necessário que se abandone a vulnerabilidade da vida corpórea em detrimento do enriquecimento da vida da alma, que seria regida pelas idéias provenientes do mundo das idéias e compreendidas através da razão.
Uma vez que Platão acredita que a vida do espírito prevalece sobre a vida do corpo em termos de excelência, vamos descrever qual é o conceito de daemon segundo o autor, além de buscarmos propostas e respostas análogas nos princípios herméticos, analisaremos a busca pela excelência a partir da virtude apresentada no livro IX da República de Platão para que possamos analisar e compreender a preocupação grega com a eudaimonia.
Etimologicamente, a palavra “eudaimonia” é composta pelos termos Eu (o bem ou aquilo que é bom, boa fortuna, boa sorte) e Daemon (espírito, ou gênio, intermediário entre os homens e as divindades superiores) e geralmente recebe a tradução genérica de “felicidade”. Porém, se aprofundarmos na origens dos termos e na obra de diversos comentadores poderemos perceber que tal termo possui alguns significados mais profundos, que examinaremos a seguir.
Atingir a eudaimonia, ou seja viver uma boa vida, uma vida feliz, uma vida digna de ser vivida era a principal preocupação dos gregos desde o início da filosofia e, o grande problema ético era como atingir a melhor forma de se viver se essa boa vida depende de coisas que o ser humano não pode controlar. Portanto, atingir a eudaimonia consistia tanto em buscar a excelência das atividades desempenhadas, tanto quanto reconhecer a vulnerabilidade e a fragilidade da vida.
O termo “daemon” trata de espíritos responsáveis por realizar o contato entre o mundo empírico e o mundo ideal e outros planos e seres. É através deles que Platão diz funcionarem os oráculos, a entrega de libações, oferendas, sacrifícios e demais fluxos entremundos, por vezes sendo considerados deuses menores. Encarnando virtudes ou vícios, assim como Aleteia, daemon da verdade, ou Limos, daemon da fome, esses seres influenciam a humanidade e suas decisões e é através do desenvolvimento da filosofia que o homem desenvolve ferramentas para sobrepujar os daemons “ruins” e dar espaço para a ação de seu Eudaimon pessoal, escolhido por si mesmo antes de seu nascimento.
“Antes disso, um hierofante os pôs por ordem; depois, tirando dos joelhos de Láquesis destinos e modelos de vida, subiu a um estrado elevado e falou assim:
“Declaração da virgem Láquesis, filha da Necessidade, Almas efêmeras, ides começar urna nova carreira e renascer para a condição mortal. Não é um gênio que vos escolherá, vós mesmos escolhereis o vosso gênio.
Que o primeiro designado pela sorte seja o primeiro a escolher a vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor: cada um de vós, consoante a venera ou a desdenha, terá mais ou menos. A responsabilidade é daquele que escolhe. Deus não é responsável”.
A estas palavras, lançou os destinos e cada um apanhou o que caíra perto dele, exceto Er, porque não lhe foi permitido.” ( A República — Livro X. )
Esse desenvolvimento ocorre mediado pela necessidade, que irá compelir o indivíduo a escolher, diante das situações de seu destino, aprimorar em si a justiça ou a injustiça, individual e coletivamente. A relação entre o gênio pessoal (eudaimone) escolhido antes de nascer e o destino experienciado alude ao princípio hermético da correspondência, sob o qual estabelece-se uma analogia entre o mundo das idéias (onde estaria contida a alma ideal e eudaimone) e o mundo empírico, cujos desafios apresentam espelhos onde o potencial de expressar seu máximo desenvolvimento e perfeição está contido.
É por meio dessa relação de analogia, também, que Platão descreve, no livro IX da República, a formação do Estado pautado pelos tipos de Alma que compõem seu povo.
Iremos discutir, no próximo ensaio, a formação do Estado, os tipos de Estado e quais os tipos de alma inerentes a formação de cada tipo de Estado descritos por Platão no livro IX da República. Nossos próximos ensaio também abordarão a ligação entre manifestação da realidade individual e coletiva, autoconhecimento, espiritualidade e desenvolvimento político-social através da análise aprofundada do conceito de Eudaimonia, destino, Lei da Correspondência e dos tipos de alma apresentados na filosofia platônica.
Por: Fernanda Surati e Rednaw Satyr.
