Apocalipse por William Blake
O Dragão Vermelho e a Mulher Vestida de Sol
William Blake foi um poeta e pintor que viveu entre 1757 e 1827, na Inglaterra. Suas obras são, em sua maioria, enigmáticas e voltadas para temas relacionados à mitologia cristã, incluindo passagens bíblicas. Outras de suas obras foram supostamente recebidas por meio de visões e sonhos, reveladas ao autor por forças cósmicas superiores. A série de quadros do Dragão Vermelho, pintada em aquarela, se enquadra nas duas categorias.
Esta série é composta por pelo menos 4 obras que apresentam passagens do Apocalipse bíblico, e foi encomendada ao pintor junto a outras obras com o objetivo de ilustrar a Bíblia. Porém, as obras acabaram adquirindo um caráter mais pessoal e incluíram muitas das percepções individuais do autor. Estes quadros já foram citados em outras obras literárias e audiovisuais, sendo por exemplo apresentados na série de filmes da saga Hannibal.
Estes quadros possuem relação direta com o Apocalipse, da Bíblia. Neste sentido, há significados metafísicos complexos por trás de cada símbolo, e dos elementos utilizados.
A Mulher Vestida de Sol
Segundo a Bíblia, Apocalipse 12:
“E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava com ânsias de dar à luz”.
Esta passagem contém o simbolismo utilizado nas representações da Nossa Senhora da Conceição, e também é representada por outros pintores. O evento astrológico que tem sido relacionado com essa passagem é o posicionamento da constelação de Virgem com Júpiter em seu ventre, a lua sob os pés, 9 estrelas + 3 planetas sobre sua cabeça (=12), iluminada pelo sol, configuração que ocorreu mais recentemente no ano de 2017.
O número 12 está relacionado ao cosmos como um todo, possuindo ao mesmo tempo a primeira centelha ou unidade diferenciada do caos primordial (1), a oposição de princípios (2), e a interação entre a unidade e seu oposto (1 + 2 = 3), que possibilita a formação de tudo. Representa também os 12 signos que encerram em si todos os aspectos mentais e espirituais possíveis.
Sendo assim, a mulher vestida de Sol, nesta representação, é quem dá origem a tudo, uma última vez, antes do Juízo Final. A Concepção do Cosmos é mais uma vez encenada, sob as vistas do Dragão. Por outro lado, esta parte do Apocalipse pode se tratar do início de tudo, já que a Mulher consegue fugir da destruição posteriormente.
O Grande Dragão Vermelho
Segundo a Bíblia, Apocalipse 12:
“E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, e sobre as suas cabeças sete diademas. E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; e o dragão parou diante da mulher que havia de dar à luz, para que, dando ela à luz, lhe tragasse o filho. E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono”.
Júpiter, na mitologia Grega, é Zeus, que combate seu pai, Cronos, com ajuda da mãe. Cronos pretende engolir todos os filhos assim que nascerem, assim como o Dragão Vermelho citado, porém é iludido ao ser colocada uma pedra no lugar de Zeus. O Deus, então, sobrevive, cresce e retorna para a sua vingança, fazendo Cronos vomitar todos os filhos que havia engolido (novo início). De certa forma, os raios que representam o poder de Zeus são equiparáveis a “varas de ferro”, porém sendo fabricados a partir de outros metais por Hefesto.
Da mesma forma, neste trecho, Jesus seria o filho que consegue evitar a morte e retorna para derrotar o Pai, o princípio ativo e dispersor, descontrolado, que quer destruí-lo.
A derrota do Dragão
Segundo a Bíblia, Apocalipse 12:
“E a mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante mil duzentos e sessenta dias. E houve batalha no céu; Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhavam o dragão e os seus anjos; Mas não prevaleceram, nem mais o seu lugar se achou nos céus. E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele (…). Por isso alegrai-vos, ó céus, e vós que neles habitais. Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo”.
“Os que habitam nos céus” podem ser relacionados com as pessoas que já possuem um modo de pensamento próprio do próximo paradigma, a Era de Aquário (ar), ou seja, pessoas focadas na razão e na espiritualidade, da mesma forma que a mulher ganha asas de águia (elemento Ar) para conseguir se safar. Já “os que habitam na terra e no mar” podem ser aqueles relacionados às Eras anteriores, entre elas Touro e Peixes (terra e água), ou seja, pessoas demasiadamente presas aos bens materiais e à emoção exacerbada (falta de controle emocional e de autoanálise).
Há também menção a estrelas caindo (meteoros, cometas), a um grande rio (tsunamis, maremotos), e à terra abrindo sua boca (terremotos), que podem ser metafóricos ou literais.
A fuga para o deserto
Segundo a Bíblia, Apocalipse 12:
“E, quando o dragão viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho homem. E foram dadas à mulher duas asas de grande águia, para que voasse para o deserto, ao seu lugar, onde é sustentada por um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente. E a serpente lançou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar. E a terra ajudou a mulher; e a terra abriu a sua boca, e tragou o rio que o dragão lançara da sua boca. E o dragão irou-se contra a mulher, e foi fazer guerra ao remanescente da sua semente, os que guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo”.
Enquanto “ânima” de nossa psique, a mulher vestida de Sol vai para o deserto, onde fica protegida. O simbolismo do deserto é o de jornada, mesmo que seja de autoconhecimento (guiada pela ânima). A passagem dos judeus para uma nova Era, em Êxodo (finalização de um ciclo de dominação, busca de um novo início) também incluiu a travessia pelo deserto.
Por outro lado, como já mencionado, e entendendo esta passagem como uma re-encenação do surgimento do Cosmos, pode ser observado que o princípio paterno/ativo da repulsão não foi capaz de vencer o princípio materno/passivo da atração, que conseguiu unir a matéria e formar planetas onde a Vida é possível.
Em Apocalipse 12, pelo que se observa, não é descrita uma finalização completa — e talvez por isso esta passagem ainda suscite tanto fascínio ao ser analisada à luz dos conceitos metafísicos. Trata-se de um novo início, ou mesmo do início de tudo. Pelos enigmáticos traços de William Blake nesta série de quadros, é possível contemplar a magnitude desta passagem.
Por: RoYaL
Referências: A Bíblia de Jerusalém