Beltane

Fogueira Brilhante

Projeto Xaoz
5 min readOct 30, 2020
Imagem: Gustav Klimt — retrato de Adele Bloch, 1907.

Uma das celebrações da antiguidade que foi resgatada e reinventada na modernidade, Beltane representa o início do Verão no calendário gaélico, e muito provavelmente em outras regiões célticas algo similar deveria ser festejado.

Outra celebração, a germânica Noite de Walpurga, também parece bem representada por boa parte dos círculos de praticantes do paganismo moderno. Costumes típicos podem ser rastreados até a idade média, e embora existam suspeitas de que sejam reminiscências pagãs, não existe comprovação histórica para além dos festejos campesinos cristãos. A Wicca e o paganismo moderno amalgamaram e combinaram várias dessas celebrações folclóricas naquilo que contemporaneamente chamamos de “Beltane’ por conta da popularização da Wicca.

Rituais e Significados

Beltaine, em gaélico irlandês, significa ‘Fogueira Luminosa’ e é conhecida e emblemática a tradição acender uma enorme fogueira simbolizando o fogo compartilhado e o poder revigorado do Sol. Na Ilha de Mann, com o fogo da fogueira coletiva, todos os fogos domésticos que foram apagados para a ocasião seriam reacesos, e com o novo fogo as vidas domésticas seriam renovadas. Também é nestas fogueiras que o gado era reunido, ou era conduzido entre duas delas, para ser promovida ritualisticamente sua revitalização e a proteção. Rebanhos, pastos, plantações e pessoas recebiam bençãos para afastar pragas e doenças, bem como os instrumentos de trabalho eram infundidos com energias para prover a prosperidade e a laboriosidade.

Nesta celebração, onde a vida de uma sociedade voltada para a agricultura parece central, instrumentos de trabalho e rebanhos eram abençoados como forma de garantir um bom início para as estações de cultivo, almejando assim a prosperidade da terra. Arbustos eram decorados com fitas, e poços e fontes de águas também eram limpas e enfeitadas para este dia. Bolos de aveia eram produzidos na Escócia, com um pedaço de carvão no meio, e semelhante ao “Bolo de Reis”: aquele que receber o pedaço com o carvão, escolhido ao acaso, deve saltar três vezes sobre a fogueira.

Imagem: Gustav Klimt — o beijo, 1907.

No “Livro das Invasões”, compilação de mitos irlandeses feita após a cristianização e que entremeia relatos da mitologia irlandesa e da mitologia judaico-cristã, a data de 1º de maio é citada diversas vezes: por exemplo na chegada dos Partolanos, povo que seria afligido e destruído por uma peste; e no desembarque dos Milesianos, povo que conquistaria a Irlanda definitivamente e daria fim a era mitológica. Mas o principal destaque mítico se dá pela chegada dos Tuatha Dé Danann, tribo da qual são oriundos os deuses cultuados pelo politeísmo gaélico, que também se apresentam na Irlanda pela primeira vez neste dia.

Como no Hemisfério Norte a celebração acontece no primeiro dia de maio, não é incomum esta ser referida como ‘May Day’. Outros povos europeus, como os germânicos, incluíam relação com a ancestralidade e lembrança dos que já se foram na mesma data. Povos germânicos celebram no ‘Dia de Maio’ a ‘Noite de Walpurga’, que envolve outras tradições, como o uso de fantasias e o exorcismo de espíritos malfazejos, que estariam atrelados aos vivos desde o inverno. Alguns festivais coroam a Rainha de Maio, uma jovem donzela que personificava uma deidade feminina, como Freiya (que também é chamada de Walpurga); porém os detalhes da cerimônia podem variar de região para região.

Também é do folclore germânico, já no período medieval, que surge a tradição construir um poste com guirlandas, fitas e outros adornos, o ‘Maypole’ (Mastro de Maio), para que as pessoas dancem em torno do mesmo, como homens girando em uma direção e mulheres na direção oposta. Reconstrucionistas germânicos às vezes tratam o Maypole como uma representação da Yggdrasil ou como o carvalho sagrado a Thor. É também na Idade Média que representações de Maypole são observadas no folclore britânico, nas Terras Baixas da Escócia e no País de Gales, costume folclórico que pode ter contribuído para a associação equivocada deste elemento com o paganismo dos povos gaélicos e sua inclusão no conjunto de práticas de Beltane.

Imagem: Gustav Klimt — a Árvore da Vida, 1909.

Outras Celebrações

Outras celebrações folclóricas incluíam o uso de guirlandas e coroas de flores (em boa parte da Europa), o uso dos famosos mastros de fitas (Europa Central e do Leste), os ‘bonecos maios’, masculinos, e as bonecas de centeio, vestidas de donzela. Essas celebrações, chamadas de ‘Maias’, são muito presentes no folclore português com várias raízes, como a Floraria dos Romanos em homenagem à deusa Flora e também os festejos à deusa Maia, mãe de Mercúrio, que dá nome ao mês. Eventualmente pessoas fantasiadas que representariam os Maios cantam e tocam instrumentos musicais pelas ruas, convidando a população para participar.

Celebra-se ainda, pela tradição cristã, a fuga da Sagrada Família para o Egito, para proteger o menino Jesus do Rei Herodes. Segundo a lenda, quando os soldados de Herodes chegaram a um vilarejo onde Jesus estava escondido, os soldados pediram para que os moradores pendurassem um ramo de giesta, uma espécie de flor, para indicar em que casa a criança estava oculta. Para proteger o menino Jesus, todas as casas amanheceram com as flores em suas portas, o que confundiu os soldados e permitiu a fuga.

Na Grécia ocorria o festival de Protomagia, que representa o afloramento da vegetação. Coroas de flores, guirlandas e outros adereços eram largamente utilizados, mantidos nas casas até que estes secassem. Jovens vestidos de branco e com faixas ou lenços vermelhos carregam uma tora de cipreste adornada com flores e com uma coroa de folhas verdes.

Imagem: Gustav Klimt — Woman in Gold, 1901.

Tradições Modernas

As tradições modernas de bruxaria, por conta do nome gaélico Beltane, associaram equivocadamente o festival a deuses como o gaulês Belenus (O Brilhante), o galês Beli Mawar (Beli, o Grande), o fomoriano irlandês Balor (O Mais Mortífero) e até aos semíticos Bel, da Babilônia, e Baal, da Fenícia. Destes, apenas Belenus tem uma associação linguística aproximada do nome do festival, que significa “Fogueira Brilhante”.

Arbustos floridos, mel e ramos precoces de cereais parecem ser frequentemente figurados nas variadas tradições representando a nascente natureza que se recupera após o fim do inverno, indicando um Verão revigorante. Círculos de cogumelos, corriqueiramente chamados de ‘círculos de fadas’ também podem ser incluídos neste festejo.

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Este projeto visa compilar, analisar e desenvolver as bases do conhecimento de sistemas mágicos. Leia mais em: www.xaoz.com.br