Deuses Egípcios (parte 2)

As Tríades em diversas cidades

Projeto Xaoz
12 min readSep 20, 2018

Tríade de Mênfis

Mênfis foi uma importante cidade egípcia, capital do primeiro nomo. Historicamente fundada no século XXXI AEC e abandonada no século 7 EC. Durante diversas dinastias foi a capital do império, rivalizando em poder com Tebas. Sua religião e cultura se espalhou por todo o território, tendo sua Tríade assumido o culto em diversas outras cidades e participado de outras cosmogonias devido a sua grande importância política. Ao contrário das outras cidades com um conjunto complexo de deuses, Mênfis possuía uma Tríade composta por Ptah, Sekhmet e Nefertum.

Ptah

Imagem: Ptah.

Ptah, na cosmogonia menfita, é o supremo criador e soberano dos deuses. Criou o universo através do poder de sua palavra e de seu coração. É tido como o Senhor da magia, da escuridão (por habitar o Caos Primordial), Senhor da Verdade. Como arquiteto do universo, era o patrono de todos os construtores, artesãos, escultores, artistas em geral. Os mitos envolvendo Ptah são mais diversos, em um deles, Ptah, se eleva do Nun como o Monte Primordial, identificado como Tatenen, um antigo deus da terra que depois teve seu culto assumido pelo deus Geb de Heliópolis. O Monte Primordial é considerado a primeira manifestação do Criador, onde ele se eleva do Oceano Primordial e inicia a criação. Ele era associado também com Nun e Naunet da Ogdóade, sendo estes, faces de Ptah, com isso, Ptah-Nun seria aquele que elevava Atum-Rá na cosmogonia heliopolitana. De fato, ele era colocado como tendo feito o corpo do próprio Atum como Ptah-Tatenen. Como Ptah-Shu, criou o céu e o espaço entre o céu e a terra para que a criação seguisse seu curso.

No Papiro de Leiden, existe uma forma simplificada de todo o panteão egípcio reduzido a três princípios: Amum, como o deus oculto, a força por trás de tudo, Rá como o deus visível, a força visível no céu e Ptah como poder manifestado, dessa forma, Ptah se encaixa nos deuses criadores de outras cidades por ser o poder manifesto, ou seja, ele é Ptah-Nun que se ergue como Ptah-Tatenen e da terra primordial, pega Amum-Rá oculto e gera a forma física dele como Atum-Rá, o qual nós enxergamos no céu. Existe uma outra tríade na qual ele pertence, Ptah-Sokar-Osíris. Criação, morte/transformação, renascimento, pois ele é considerado ter inventado o Ritual de Abertura da Boca, uma cerimônia importante dentro dos ritos funerários. Como Ptah-Tatenen, ele é aquele que irá gerar um novo corpo para o falecido, pra isso, ele precisa insuflar vida dentro do corpo morto, através do rito citado acima.

Ptah era cultuado também como o Touro Apis, sendo este uma representação viva da alma do Deus. Foi um dos animais mais importantes desde a quinta dinastia. Ao morrer, ele possuía rituais funerários dignos de um deus, pois na morte, este touro era Osíris.

Sekhmet

Imagem: Sekhmet.

Uma das mais antigas divindades no panteão. Seu nome significa Poderosa (Sekhem-et), seu animal característico em todas as suas imagens é a leoa. A associação com a leoa é devido à ferocidade desse felino em defender seu território assim como sua prole, sendo também, legado à leoa, a tarefa da caça para sustentar seu bando. Devido à essas características, era uma forma de demonstrar o poder divino e sua ira, assim como o poder real e também como mantenedora de Maat, sendo a executora divina e protetora do império (templos à ela eram colocados nas fronteiras). É mostrada como uma mulher com cabeça de leoa, na maioria das vezes com o disco solar de Rá acima, segurando a Ankh(vida) e o cetro de papiro, ligado ao Baixo Egito. Está relacionada com Hathor em alguns mitos, como o da Destruição da Humanidade (Livro da Vaca do Céu, primeira parte), no qual Rá, em seu aspecto ancião(Atum), transforma Hathor em Sekhmet para que destrua os infiéis e inimigos do deus supremo, porém, ao provar o sangue, entra em frenesi, tendo sido apaziguada depois de muita destruição com o auxílio de Thoth que a embebedou com cerveja vermelha, imitando sangue. Em outra versão, após acordar de seu frenesi, a primeira coisa que ela vê é Ptah, então se apaixonando e dessa união (Criação e Destruição) nasce Nefertum, a Cura, reestabelecimento da Ordem (Maat).

Seus títulos são muitos: Senhora da Pestilência, Dama Escarlate, Flamejante, Protetora dos Deuses, Soberana de Rá, A Pura, Olho de Rá, Destruidora de Rebeliões, Abridora de Caminhos, Senhora da Cura, Sublime, Governante do Deserto e Serpentes, enfim, conhecida também como A Deusa dos Dez Mil Nomes.

Seu principal centro de culto era em Mênfis, onde era conhecida como A Destruidora, contraparte de Ptah, o Criador. Era cultuada ao sol do meio dia, o ápice do poder solar em seu aspecto mais destrutivo no deserto. Dessa forma, era chamada também de Dama que Leva o Terror, sendo o vento quente do deserto, seu sopro divino. Por um outro lado, como ela leva a pestilência, também entrega a cura, sendo clamada por sacerdotes como Patrona da Medicina e Senhora da Vida. No Livro dos Mortos, ela é citada diversas vezes, no início do Ritual de Abertura da Boca, ao devolver o coração à Osíris, associada à coluna do morto, uma forma sua como protetora do sétimo portão do Duat e como Aquela que Ama Maat(Ordem). Havia um festival no calendário egípcio que comemorava a passagem do mito da Destruição citado acima, o Festival Tekh, no qual a embriaguez era incentivada como uma forma de acalmar os ânimos da Deusa. No final do ano, era feito um ritual para que ela fosse apaziguada e o ano novo fosse bom (Sete Flechas de Sekhmet).

Nefertum

Imagem: Nefertum.

Em Mênfis, filho de Sekhmet e Ptah, a destruição se unindo à criação, gerando o reestabelecimento da Ordem como uma flor de lótus. Nefertum é a flor de lótus que emerge do Oceano Primordial, Nefer-Tum, Beleza de Atum, sendo portanto, uma forma de Atum. Atum é o sol, Nefertum é o nascer do sol. Um dos vários mitos de Atum, nos conta que suas lágrimas, como Nefertum, formaram a humanidade. Conforme o culto de Rá cresceu e se estabeleceu em Heliópolis, Nefertum deixou de ser um aspecto de Atum, virando uma divindade independente, que, caindo no ostracismo, foi absorvido pelos sacerdotes menfitas, justificando o papel recentemente criado de Ptah como Deus Supremo, criando Atum na forma de Nefertum, junto de Sekhmet.

O lótus azul é símbolo de nascimento, pois essa planta tem a característica de emergir da agua e abrir suas pétalas com os primeiros raios solares. É também muito visitada por besouros devido ao seu aroma, uma outra identificação solar. Em contrapartida, em Hermópolis, era considerado que a flor de lótus surgiria no Oceano Primordial após as águas caóticas do Nun terem sido fertilizadas pela Ogdóade. Com isso, a Ogdóade fertiliza o Oceano, que nasce a Lotus(Nefertum), que se abre e revela Atum, interligando as três cosmogonias. Devido a isso, um de seus epítetos é “A Grande Flor de Lotus que Está Sob o Nariz de Rá”, fazendo dele a divindade responsável pelos perfumes, grande parte deles, utilizados nos ritos funerários. Aqueles que prestavam culto, acabaram por se tornar os primeiros aromaterapeutas, especialistas na utilização dos aromas das plantas, principalmente das flores, como gerânio e rosa.

Sua forma animal é a de um homem com cabeça de leão ou de um leão sentado. Como sol nascente, era mostrado como uma criança nua sentada numa flor de lótus.

Tríade de Tebas

Tebas foi uma das mais importantes cidades do antigo império egípcio. Principal cidade do quarto nomo do Alto Egito, localizada hoje dentro da cidade egípcia de Luxor, onde estão os grandes templos de Karnak, dedicado à Amum, Luxor, onde os faraós eram coroados, o Ramesseum, templo memorial de Ramsés II e o gigantesco templo de Hatshepsut, em Deir el-Bahari, o Templo de Um Milhão de Anos, alinhado para que pegasse os primeiros raios solares do Solstício de Inverno (Hemisfério Norte) e iluminasse a imagem de Amum-Rá dentro de sua capela. Começou a ser habitada ainda em 3.200 AEC, sua tríade é composta por Amum, Mut e Khonsu.

Amum

Imagem: Amum.

Além do que já foi escrito sobre este deus na Ogdóade, antes de Amum se tornar a divindade criadora suprema da tradição tebana, ele foi criado junto com a Ogdóade por Thoth. Posteriormente, abandonou-se o culto dos oito, Tebas se dedicou a Amum como criador e no Novo Império, Mut transformou-se em sua consorte, gerando Khonsu. Amum, o Deus Criador, Mut (mãe), como a deusa criadora e Khonsu como o Deus da Lua, filho dos dois deuses. Seu culto foi descontinuado, à força, durante o chamado Período de Amarna, no qual o faraó herege, AmenHotep IV, baniu o culto de qualquer divindade que não fosse a sua, Aton, especialmente o culto amonita. Após a morte dele, Ay, tutor e Vizir de TutAnkhAmum, restaurou o culto aos antigos deuses. Seu culto só foi descontinuado de vez por volta de 33 EC, quando o Egito já era uma província do Império Romano.

Mut

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Imagem: Mut.

Sua origem é incerta, porém em Tebas, é a consorte de Amum, seu nome significa mãe. É considerada a Grande Mãe de onde tudo se origina. Teve grande influência a partir da XVIII Dinastia, quando Tebas descontinuou o culto de Amaunet e a inseriu como parte da tríade divina. Seu animal é o abutre, devido à observação egípcia desse animal e sua excelência como cuidador de seus filhotes. Após o sincretismo entre Amum e Rá, assumiu a forma de leoa, adquirindo o epíteto de Olho de Rá. Em algumas passagens, assume a forma de deusa vaca junto à Amum e chega até mesmo possuir um falo, evidenciando sua capacidade criativa e gerativa (Grande Mãe), contendo ambos os aspectos feminino e masculino. Em outros locais, seu culto foi absorvido por Isis ou foi identificada com Sekhmet e Bast devido à aparência felina, talvez uma forma de priorizar o aspecto solar de Amum após a união com Rá, há inclusive uma união dessas três deusas, formando uma só: Mut-Sekhmet-Bast, com cabeças de abutre, leoa e gata, asas e um falo.

Khonsu

Imagem: Khonsu.

Em Tebas é o Deus da Lua, filho de Amum e Mut. No período pré-dinástico, era uma divindade gêmea do rei. Ele era a placenta que era parida logo após o nascimento real. Devido à forma circular, foi associado à Lua. Quando chegou a Tebas, assumiu o culto de um deus lunar mais antigo, Aah. Há uma breve citação dele no Textos das Pirâmides: “Ele é Khonsu, aquele que matou os senhores e os estrangulou para o Rei, e extraiu deles o que estava em seus corpos, pois ele é o que foi enviado para punir”. Este comportamento agressivo também é evidenciado no Textos dos Sarcófagos, onde há passagens contendo frases como “Minha força de ataque é Khonsu” ou “Khonsu, O Enfurecido”. Além de deus protetor e guerreiro, possui aspectos de curador, como na Estela de Bentresh, onde conta que uma esposa de Ramsés II foi curada por este deus. Aparentemente, ele possuía três formas, de acordo com os textos citados acima: Khonsu- Tebas-Neferhotep, Khonsu-Wen-Nekhu e Khonsu, O Protetor. Estes três são mostrados como babuínos, uma de suas formas animais. A outra é a de uma serpente, localizada em uma das paredes de seu templo em Karnak, na qual ele circunda o ovo cósmico, fecundando-o, também como um deus que habita o céu, possuía a forma de um falcão com o símbolo lunar acima da cabeça. No Textos das Pirâmides é considerado uma forma de Thoth. Há uma história entre ele e Thoth, na qual os dois deuses jogam o Senet (um jogo popular no Antigo Egito) e Khonsu perdeu para Thoth, perdendo assim, parte de sua força, demorando alguns dias para se reestabelecer, explicando os ciclos lunares.

Tríade de Elefantina

Apesar de ser uma pequena ilha no meio do Nilo(1200x400m), junto à fronteira da Nubia, foi uma cidade de grande importância religiosa e militar. Fica localizada no Alto Egito, na primeira catarata onde hoje está a cidade de Aswan. Local de uma das tríades que influenciaram todo o império, encabeçada por Khnun, Deus Criador que habitava as cataratas do Nilo, fazendo a água do Rio Sagrado fluir através de suas mãos, Satis, sua consorte que inicialmente era uma deusa da guerra, porém depois associada às cheias do Nilo, que era personificada por Anuket. Nesta ilha está também o mais antigo Nilômetro, um mecanismo de medição da cheia do rio. O desta ilha consiste de uma estrutura de 52 degraus descendo até o lençol freático abaixo. Durante a cheia, a agua sobe e se tem a medição daquela estação. Se ficasse abaixo do ideal, não haveria lodo o suficiente nas margens, logo a colheita daquele ano seria menor, alertando o faraó para que tomasse as devidas providências. Se subisse acima do ideal, causaria inundações nas cidades costeiras, que seria destrutivo para a população. Com base nessa medição e especulação da colheita, era calculado o imposto a ser pago naquele ano.

Khnun

Imagem: Khnun.

Um dos deuses antigos da Ilha de Elefantina, que possuía sua própria cosmogonia (Khnun, Satis e Anuket). De acordo com esta localidade, Khnun modelou o Ovo Cósmico de onde saiu o Sol. Um de seus títulos, Senhor da Catarata, o coloca como deus da água. Como é um deus criador, portanto associado às aguas primordiais. Ele rege as cheias do Nilo, fonte da vida para o império assim como as aguas do Submundo. Além de ter modelado o Ovo Cósmico, segundo o mito elefantino, modelou as pessoas assim como seus Ka’s. Desta forma recebia o título de pai dos pais e mãe das mães ou O Modelador. Possuía outros títulos, dependendo da época e da localidade: Khnun-Nehep (O Criador), Khnun-Kenti-Taui (Governador das Duas Terras), Khnun-Kenti-Per-Ankh (Governador da Casa da Vida), Khnun-Neb (O Senhor). Devido à sua importância, foi sincretizado ou com suas funções absorvidas por divindades de outros panteões, como Tebas, Mênfis e Heliópolis, com Amum (Amum-Khnun), Rá (Khnun-Rá), foi sincretizado com Seth e Shu.

Possui a forma de carneiro ou homem com cabeça de carneiro, chifres horizontais e Coroa Branca. Assim como o Touro, o carneiro era símbolo maior da fertilidade. Há um sincretismo peculiar, no qual ele possui quatro cabeças de carneiro, simbolizando Rá, Shu, Geb e Osíris, todos como aspectos de Khnun, possuindo assim, os poderes desses quatro deuses.

Satis

Imagem: Satis em seu trono.

Senhora de Elefantina, Consorte de Khnun e Deusa das águas. Quando Khnun foi associado à Rá (Khnun-Rá), Satis assumiu parte do culto de Hathor. Tardiamente, foi substituída por Sothis e seu culto absorvido por esta deusa. Sua forma era a de um antílope ou mulher com chifres de antílope e a Coroa Branca. Antílopes eram animais que viviam com uma população considerável na região da primeira catarata, e sempre estavam se refrescando no Nilo.

Anuket

Imagem: Anuket em seu trono.

Considerada filha de Satis e Khnun, porém há versões de que ela era consorte de Khnun. Também relacionada às aguas e à inundação do Nilo, sendo este último, sua representação (possuía a mesma função de Hapi, Deus da Cheia). Possuía a forma de uma mulher com coroa de penas ou de uma gazela, um tipo menor de antílope.

Por Allan Koschdoski, a convite do Projeto Xaoz.

Para ler a Parte 1, clique aqui.

Para ler a Parte 3, clique aqui.

Referências: BUDGE, EA Wallis. O livro egípcio dos mortos. Pensamento, 1990; BUDGE, Sir EA Wallis. The Gods of the egyptians: or studies in egiptian mytholog. Dover, 1969; BUDGE, E. A. Wallis. Egyptian Magic. 1971; JENSEN, William B.; CALEY, Earle Radcliffe. The Leyden and Stockholm Papyri: Greco-Egyptian Chemical Documents from the Early 4th Century AD. 2008; HOLMBERG, Maj Sandman. The God Ptah. CWK Gleerup, 1946; PINCH, Geraldine. Magic in Ancient Egypt: Revised Edition. sat, v. 3, p. 043900, 2018; PINCH, Geraldine. Handbook of Egyptian Mythology (Handbooks of World Mythology). ABC-CLIO Interactive, 2002; Mark, J. J. Festivals in Ancient Egypt. Ancient History Encyclopedia., 2017; HILL, Jenny. Ancient Egypt Online; DOLLINGER, André. An introduction to the history and culture of Pharaonic Egypt; LÓPEZ, Francisco. La Tierra de los Faraones; MARCHANT, Jo. Carbon dating shows ancient Egypt’s rapid expansion. 2013.

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Este projeto visa compilar, analisar e desenvolver as bases do conhecimento de sistemas mágicos. Leia mais em: www.xaoz.com.br

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