Dossiê Mental
Um resumo sobre o projeto MKUltra
No período da Guerra Fria, os EUA e a URSS estavam tentando desenvolver estudos de ponta e criar novas tecnologias, e quem conseguisse chegar a resultados primeiro teria pioneirismo naquele campo de pesquisa. Entre as várias áreas de conhecimento que começaram a ser estudadas, se encontram os efeitos de fármacos e substâncias em geral sobre a mente humana. Um desses projetos, desenvolvido nos EUA, acabou indo longe demais, despertando a curiosidade e posteriormente a reprovação de órgãos públicos do País. Em 1973, já sabendo dos possíveis efeitos que teria uma investigação, os documentos do projeto MKUltra foram destruídos.
O Projeto MKUltra
Entre 1953 e 1964, cerca de 86 instituições se reuniram sob a égide dos militares americanos para realizar vários testes em animais e em humanos com o objetivo de entender os efeitos psicológicos de diversas drogas, hipnose e outras técnicas coercitivas. O objetivo final seria o uso destes elementos em interrogatórios, em busca de informações estratégicas.
Para isso, o projeto pagou a hospitais uma comissão em troca de pacientes em estado terminal, com câncer ou outras doenças, prometendo que alguns dos métodos que seriam estudados poderiam servir de cura para estes pacientes. Outros testes foram realizados em pessoas viciadas em diversas drogas, e os prêmios ou recompensas envolviam, em alguns casos, quantidades da droga que causou o vício. Dessa forma, foi fácil obter voluntários para os testes. A participação era voluntária, mas nunca foram revelados os efeitos já conhecidos de algumas drogas, e muito menos os objetivos finais das pesquisas.
Nos inquéritos que foram abertos após vinte anos do término do projeto, o Governo reconheceu que os testes não faziam total sentido científico, e que os responsáveis por monitorar resultados não eram cientistas qualificados. Além disso, a maioria das cobaias ficava em estado incomunicável durante as primeiras horas de teste, ficava doente pelas horas ou dias seguintes, e não eram acompanhados continuamente para entender os efeitos colaterais. Alguns pacientes foram encontrados para depor, mas outros nunca tiveram seus nomes revelados, bem como o nome das instituições envolvidas.
O Projeto MKUltra se dividiu em 149 subprojetos, cada um com aspectos específicos de tipo de comportamento desejado, droga ou método utilizado, e tipo de cobaia usada. As verbas diretamente relacionadas a cada projeto foram rastreadas, e somam mais de 6 milhões de dólares somente levando em conta os poucos documentos que não foram destruídos. Outros 33 subprojetos sob o Projeto MKUltra envolviam técnicas diversas de inteligência militar, e não necessariamente compartilhavam dos métodos dos outros 149.
Os Subprojetos
De acordo com os registros dos inquéritos, embora não possam ser mapeados um a um devido à destruição dos documentos, os 149 subprojetos se referem a muitas áreas distintas, incluindo:
- subprojetos individuais sobre eletrochoque, técnicas de coerção, percepção extrassensorial, sprays e aerossois;
- 4 subprojetos envolvendo sabotagem de material e de plantações;
- 1 ou 2 subprojetos sobre tipos sanguíneos, controle de atividades animais, armazenamento e transferência de energia em sistemas orgânicos, estímulo e resposta em sistemas biológicos;
- 17 subprojetos sobre drogas e álcool sem o uso de humanos;
- 14 subprojetos sobre drogas e álcool com testes em voluntários;
- 8 subprojetos sobre hipnose, incluindo 2 combinados com drogas;
- 4 subprojetos envolvendo o uso de vertentes mágicas e de ocultismo;
- 9 subprojetos sobre comportamento humano, sono, e psicoterapia;
- 23 subprojetos sobre estudos motivacionais e treinamento;
- 6 subprojetos envolvendo patógenos exóticos e contaminação proposital;
- pelo menos 6 subprojetos usando pessoas contra sua vontade.
Adicionalmente, um dos projetos do exército e da CIA relacionado ao MKUltra, de nome MKNaomi, incluiu o desenvolvimento, a testagem e a manutenção de agentes biológicos para uso contra humanos, animais, e vegetais (possibilitando a contaminação de plantações, por exemplo).
As Substâncias
Um documento sobre o MKUltra de 1955 indica o tamanho e o alcance do programa e de seus 149 subprojetos em termos de linhas de pesquisa e objetivos específicos de cada grupo de substâncias estudado. São citados estudos sobre uma variedade de substâncias que alteram a mente, e as substâncias são descritas da seguinte forma:
- Substâncias que promovem o pensamento ilógico e a impulsividade, a ponto que o destinatário pudesse ser desacreditado em público;
- Substâncias que aumentam a eficiência mental e perceptiva;
- Materiais que façam com que a vítima envelheça mais rápido ou devagar;
- Materiais que mimetizam os sinais e sintomas de doenças reconhecidas de forma reversível, para que possam ser usados para falsear doenças;
- Materiais que causam dano cerebral temporário / permanente e perda de memória;
- Substâncias que aumentam a capacidade das pessoas de suportar a privação, a tortura e a coerção durante interrogatórios ou tentativas de “lavagem cerebral”;
- Materiais e métodos físicos que produzem amnésia para eventos passados;
- Métodos físicos para produzir choque e confusão durante longos períodos de tempo e capazes de serem usados de forma não percebida pela cobaia;
- Substâncias que produzem efeitos físicos ou mesmo incapacidade física, como paralisia das pernas, anemia aguda, cansaço, perda de ânimo, bolhas, manchas, alergia, problemas de visão e audição, etc;
- Substâncias que alteram a estrutura da personalidade tornando o paciente dependente psicologicamente de outra pessoa.
As Cobaias
Poucos pacientes do projeto MKUltra foram revelados e entrevistados, mas entre os relatos podem ser observados os meandros dos testes e dos efeitos alcançados. Um deles, chamado Russell Kirk, cita que ficou em um estado muito alterado após os testes.
“Após 1960, eu não sabia o que estava fazendo, às vezes. Só podia ser por causa do que me deram em 1957 e 1958, porque eu nunca usei drogas antes. Eu fiquei deprimido porque algo estava errado e eu não sabia o que era. É como se uma voz me dissesse que seria melhor estar morto do que estar naquele estado”.
O paciente conta que, após as tentativas de suicídio, foi aprisionado em uma jaula para seu próprio bem. Na jaula, porém, arrancou uma veia do próprio braço com os dentes, e precisou ser colocado em uma camisa de força. Teve perda de memória e outras tentativas não sucedidas de suicídio.
Em outro experimento, foi utilizada hipnose para causar ansiedade em pacientes, ou melhorar sua memória e seu aprendizado. Eram usados estímulos específicos para fazer o paciente lembrar perfeitamente as informações que adquiriu no momento da hipnose, o que poderia servir como um instrumento de controle mental apenas por quem conhecesse o código.
Usando derivados de ácido barbitúrico, alguns testes tiveram resultados em termos de obter uma maior propensão a revelar verdades, mas os pacientes passavam por vários estágios:
- Relaxamento;
- Amnésia;
- Fala arrastada e analgesia;
- Revelação de informações confidenciais, fantasias, medos e delírios;
- Inconsciência, com reflexos exagerados;
- Inconsciência sem reflexos;
- Morte.
Nestes testes, porém, muitas vezes eram obtidas informações delirantes e descompassadas, e elas tinham que ser confirmadas posteriormente com dados adicionais. Um dos sujeitos afirmou ter um filho que não existia, outro disse que estava matando ali mesmo um padrasto morto há um ano, e outro deles confessou ter roubado alguns bens que na verdade havia comprado de amigos. Alguns pacientes demonstraram também resistência aos efeitos da técnica, e conseguiram mentir mesmo neste estado. Dos 17 pacientes, 9 confirmaram as informações corretas que foram dadas, mas alguns continuaram achando que mesmo as informações delirantes eram reais.
Outro projeto envolveu cerca de 142 psicopatas e criminosos sexuais de diversas classes sociais e idades, cujos casos já haviam sido investigados e resolvidos, para que as informações pudessem ser confirmadas ou refutadas. Utilizaram-se métodos de interrogatório, doses de LSD, hipnose e derivados de THC para os testes. Um outro caso muito ilustrativo foi o projeto “Terceira Chance”, que em 1962 testou um militar asiático que já havia negado duas vezes em interrogatório ter participado de uma tentativa de espionagem. Neste caso, foram administrados 6 mg/kg de LSD ao paciente, e os resultados obtidos alternavam entre um estado agitado com sudorese, e a efetiva cooperação do militar. O interrogatório durou 71 horas e meia.
Finalização do Projeto
Após cortes de escopo e verba em 1964 e 1967, o projeto MKUltra foi cancelado em 1973. A legitimidade dos métodos foi questionada, e em 1975 iniciaram-se as investigações e inquéritos, porém a maior parte do material havia sido destruída em 1973.
Em 2001, finalmente, os documentos que sobreviveram foram desclassificados, e agora estão públicos no site da CIA.
Por: RoYaL.
Referências: arquivos da CIA publicados no site após a destruição do material principal; compilação dos interrogatórios.