Imbolc
O fim do inverno
Imbolc é a celebração pagã do período final do inverno, que os irlandeses confirmavam através do alinhamento solar com alguns megálitos e o segundo dentre os Grandes Festivais. Seu simbolismo gira em torno da deusa Brigid, muito importante entre as tribos celtas insulares e possivelmente a raiz da palavra latina “Britania” que dá nome à maior ilha que hoje compõe o Reino Unido.
Está fortemente relacionada com a estação de lactação e parto do gado ovino, o que faz com que as ovelhas e cordeiros se somem a Brigid como protagonistas deste festival. A palavra Oimelc (um dos nomes do festival) significa literalmente “leite de ovelha”. Originalmente a data não era fixa, mas sim determinada pelo início do nascimento dos filhotes do rebanho, o que poderia ser cerca de quinze dias mais cedo ou mais tarde que 2 de fevereiro no Hemisfério Norte . Também começam as atividades de aragem e revolvimento da terra, para que esta absorva a umidade na superfície, iniciando o ciclo de plantio em regiões e campos onde não temos plantio de inverno.
Presságios
Dado que em fevereiro muitas regiões ainda teriam nevascas tardias, era comum serem feitos presságios para saber o quanto o inverno ainda duraria. Dentre estes, o Dia da Marmota é utilizado por vários pagãos norte-americanos e canadenses, baseado em tradições de povos originários, algo parecido com as divinações sobre serpentes em estado de hibernação observadas entre povos celtas e germânicos. Neste dia, o comportamento de uma marmota ao sair da toca e enxergar ou não sua própria sombra pode indicar que o fim do inverno está mais próximo ou mais distante do que o esperado.
Entender o ciclo das geadas e de degelo é importante para que as atividades fora de casa sejam retomadas e que os rebanhos possam novamente correr livres nos pastos, mas liberar estes do abrigo mais cedo pode comprometer a sobrevivência dos filhotes em fase de amamentação. Marmotas, esquilos, musaranhos e outros pequenos animais que entram em hibernação, e que podem permanecer até seis meses nas suas tocas em estado de redução metabólica, com a sua temperatura corporal ligeiramente acima da temperatura ambiente, foram um indicativo que vários povos antigos utilizaram para determinar o fim do inverno. O retorno de aves de espécies migratórias também é um forte presságio natural usado para esse período, sobretudo quando essas são observadas reconstruindo seus ninhos.
Celebrações
Em poços e fontes consagrados a divindades, como Brigid, eram amarrados tecidos e fitas, e muitas vezes oferendas de leite e mingau eram feitas em volta ou dentro da fonte de água. As águas dessas fontes também eram utilizadas para abençoar pessoas, construções e rebanhos. Pães, bolos, pastas, caldos, sopas e mingaus eram alguns alimentos usados nas refeições sagradas, muitas vezes usando as sobras de cereais e o refugo que se acumulava no fundo dos reservatórios de grãos. Cerveja e raízes também ajudavam a compor a Ceia de Brigid.
Neste momento, o gelo começa a romper nas regiões mais próximas aos polos, e os primeiros brotos novos começam a ser observados nas árvores e no solo; o trigo de inverno, em fase de germinação, começa a aparecer nos campos anteriormente semeados. Boa parte da construção moderna de Imbolc chega até nós através de duas celebrações cristãs: o dia de Santa Brígida, que é uma versão cristianizada da deusa Brigid, reabilitada pelos pagãos modernos tanto nos simbolismos cristãos quanto nas pesquisas sobre as reminiscências folclóricas do período pagão, como por exemplo os poços de água pura e nascentes de água mineral; e a Candelária (ou Candlemas, a missa das velas entre os invasores saxões), onde velas ou lamparinas eram acesas e os cristãos celebravam a ‘purificação’ de Maria quarenta dias após a concepção e o menino Jesus na condição de Agnus Dei (cordeiro de Deus). Uma célebre representação cristã do pintor Jan van Eyck do “Cordeiro Místico” une ambos os simbolismos: o cordeiro no altar alinhado à fonte de água fresca e pura.
O renascimento de algumas ervas “daninhas” como a prímula e o dente-de-leão, mas também da tanchagem e de outras pequenas plantas também era celebrado, e os caules de junco e a palha de outras plantas de haste flexível eram utilizados para confeccionar amuletos como a Cruz de Brigid, os bonecos de Brigid.
Outros Povos
Os povos Aymará (que vivem entre Bolívia, Chile e Peru) uniram celebrações pré-cristãs com o culto de Nossa Senhora da Candelária, também chamada de Virgem Mamacha, que sincretiza a ancestralidade quechua e se conecta ao culto de Pachamama. Durante nove dias as igrejas são preparadas, e em 2 de fevereiro um cortejo de fiéis cristãos e de indígenas não-cristãos saem pelas ruas. A prosperidade da terra, simbolizada pelo plantio das sementes, mas também pelas atividades de mineração, tem protagonismo. Músicos e dançarinos usando máscaras monstruosas encenam uma batalha onde a Virgem deverá prevalecer.
Na Venezuela, é momento de retomar o plantio e finda do “Encerro do Chivo” (estação onde os bodes e outros animais domésticos precisam ficar presos em abrigos). É também na Festa da Candelária que os mexicanos celebram a continuidade do “Bolo de Reis”, sendo que o premiado com a fatia contendo a figura do menino Jesus será o responsável por prover tamales (um bolo de milho cozido a vapor na palha do cereal) aos seus entes queridos e amigos.
Para os romanos, fevereiro é o mês que dá origem a Februália, celebração de purificação e purga de enfermidades, bem como de sacrifícios e oferendas para os mortos, presidida pelo deus Februus. Também era quando acontecia o festival da Lupercália, onde também eram feitas purificações, auto-expiação e sacrifícios, desta vez para fazer a transição do ano velho, que findará neste mês, para o novo ano, que iniciará em março. Na Lupercália, é celebrado Fauno Luperco, um deus agropastoril que é invocado para proteger rebanhos dos lobos, e que alguns acreditam ter tomado a forma de uma loba ou enviado uma loba com a função de proteger e amamentar Rômulo e Remo, fundadores ancestrais da cidade de Roma.
Já durante o período cristão, o imperador Justiniano, de Bizâncio, celebrou a Lupercália com a finalidade de purgar o seu reino da peste. Alguns indícios apontam que ambas as celebrações são ancestrais ao Carnaval e ao dia de São Valentim, e que ao menos para os romanos essas festividades continham teor sexual, ainda que não diretamente explícito.
Alguns indicam que parte dos Eleusis Menores, mistérios ritualizados pela população que vivia próxima a Atenas, envolvendo o drama de Perséfone e Deméter, além do ciclo de vida morte e renascimento, era celebrada também neste período. Estes ritos sobreviveram ao primeiro período de dominação romana, sob a República, mas foram paulatinamente suprimidos no período imperial.
Os escandinavos e germânicos em geral celebram nesse mesmo período o Disablot: o festival das Disir, espíritos femininos, que podem ser tanto mulheres ancestrais, as guerreiras valquírias, as Nornes fiandeiras do destino. Neste período ritualístico também ocorriam as Disting, feiras coletivas de grandes proporções onde a população negociava seus bens e produtos, onde também se realizava o “Encantamento dos arados”, que dava início à preparação do plantio. Conta-se que neste período a deusa Gefjon transforma seus quatro filhos em fortes touros para puxar o arado e sulcar a terra para o plantio. Alguns povos, como os islandeses, celebravam o deus Thor, no Thorrablót, onde uma ceia de alimentos típicos era oferecida.
Em contextos mais locais, este festival pode estar associado à época de tosa da lã de ovelhas e também a banquetes com carnes compradas na feira. Esta celebração ocorre em Portugal, entre fevereiro e março, durante a Feira da Foda, que ganhou este nome devido a alguns golpes que os feirantes aplicavam, vendendo aos consumidores bois que haviam bebido muita água como se estes fossem mais gordos que o habitual.
Simbolismo
Quando nós, humanos, nos reconhecemos como parte integrante da natureza, e nos sintonizamos com o ritmo das estações, o inverno torna-se tempo de recolhimento, tempo de observar dentro de si mesmo as mortes que o outono trouxe.
Imbolc é o último festival do inverno, nos despedindo de tudo o que identificamos dentro e fora de nós mesmos como algo que já não faz mais sentido em nossa caminhada.
Devemos aproveitar a energia dessa fase do ano para nos desfazer de todas as “sobras” e “migalhas” que fomos separando e acumulando no inverno da alma, e nos preparar para uma nova fase de labuta. O momento é propício para novos projetos, e principalmente, para avaliar e decidir sobre onde concentrar esforços. Também é um bom momento para cuidar da saúde física, mental e moral, tratando doenças, cuidando dos pensamentos e retificando comportamentos e tratamentos viciados.