Karma, Kamma ou Carma

e as Leis de Causa e Efeito

Projeto Xaoz
7 min readFeb 6, 2019

“Intenção, eu digo, é kamma. Pela intenção, a pessoa faz kamma através do corpo, linguagem, e mente.” — Anguttara Nikaya VI.63

Kamma, em Páli, ou Karma, em Sânscrito, significa “ação”. Porém, no Dhamma Budista, Kamma significa todas as ações intencionais.

Imagem: entalhe com motivos Tibetanos, por XiangBa.

A Origem do Karma

No Kamma Sutta, (Samyutta Nikaya), Buda Gotama sinaliza que o Kamma pode surgir do olho, ouvido, nariz, língua, corpo e mente, tendo como base os desejos das sensações do passado. Ou seja, surgem de ações que praticamos intencionalmente nas quais as sensações sejam boas ou ruins para nós, e cujo efeito perdura porque nos apegamos no passado. Também pode surgir de ações com o corpo, linguagem e mente no momento presente, que são ações intencionais feitas no aqui/agora, fruto de atitudes não-hábeis (prejudiciais à nós e aos outros seres) do corpo, da fala e dos pensamentos.

Ajaan Anan, discípulo de Ajaan Chah, diz em seu livro Ensinamentos Fáceis, Verdades Profundas que: “Intenções benéficas que surgem na mente irão levar a palavras e ações benéficas, enquanto intenções prejudiciais irão levar a palavras e ações prejudiciais”.

Geramos Kamma constantemente, pois praticamente tudo que surge em nossa mente está carregado de intenção e desejo e, de acordo com o Dhamma, essas ações irão frutificar e gerar frutos doces ou amargos, no aqui/agora. Por isso a importância de se estar atento ao que se pensa, pois um pensamento simples que passa em nossa mente, se não compreendido, pode gerar uma raiz, que crescerá e frutificará como uma ação prejudicial.

Atos intencionais e não intencionais

O que seria intenção? Sempre damos a desculpa: “Não foi minha intenção! Não quis dizer isso! Foi sem querer!”. Como já cantou Madonna: “A estrada para o Inferno está pavimentada de boas intenções”.

De acordo com o Dhamma, todas as ações, palavras, pensamentos, possuem algum elemento com intenção. Tendo como ponto de partida a mente que aponta o desejo/intenção para o objeto da ação, ela é a força motriz das intenções. O Venerável Payutto nos cita um exemplo: “Ela (ação) pode, por exemplo, levar à destruição algo muito pequeno, tal como quando rasgamos uma folha de papel com raiva. Muito embora o pedaço de papel em si não tenha importância, mesmo assim a ação tem algum efeito sobre a qualidade da mente. O efeito é bem distinto ao rasgarmos a folha de papel com um estado mental neutro (…). Se existe execução repetida desse tipo de intenção enraivecida, os efeitos da acumulação irão se tornar cada vez mais claros e podem se desenvolver para níveis mais substanciais”.

Ou seja, uma simples ação de rasgar um papel, mas feita com raiva, irá gerar Kamma. Onde? Na sua mente. Você estimula o comportamento enraivecido, que irá contaminar a mente, que não funcionará direito devido à raiva e irá causar negligência consigo próprio, com o próximo e ao seu redor. Percebe como um simples ato de rasgar o papel pode levar a algo maior? Isso é o Kamma, meus amigos. Do início, passando pelo meio e até o fim [i].

Imagem: entalhe com motivos Tibetanos, por XiangBa.

Canais do Karma

Os canais de Kamma são (Upali Sutta, Majjhima Nikaya 56):

  • Corpo
  • Linguagem
  • Mente.

Desses canais, o Buda considera o Mental o mais preocupante, pois, através dele, todas as outras ações no corpo e linguagem são feitas. Esses três canais podem gerar dois tipos de Kamma:

  1. Akusala: Inábil, não benéfico e prejudicial, advindo da cobiça, raiva e delusão.
  2. Kusala: Hábil, benéfico, advindo da não cobiça, não raiva e conhecimento/sabedoria.

Para observar uma atitude nossa e entender o Kamma que será gerado, primeiro precisamos verificar a origem dessa ação.

  • Ela vem de uma raiz inábil ou hábil?
  • Ela é advinda da raiva, da cobiça ou da ignorância/delusão?
  • Ou ela vem do amor, altruísmo e sabedoria/conhecimento?

Depois, avaliamos o efeito da ação.

  • Ela faz com que a mente fique limpa, clara e calma?
  • Ou fica poluída, viciosa e agitada?

Podemos ainda chegar cada vez mais fundo!

  • Essas ações são repreensíveis por nós mesmos?
  • Elas são hábeis do ponto de vista dos sábios ou mestres (Buda, mas pode ser Jesus, Saint Germain, enfim, escolha um)?
  • Essa ação irá gerar o quê em você? Satisfação? Hmmm bom, né?
  • E no outro? Será prejudicial? Sim? Então para que fazer?

Satisfação com o prejudicial é uma ação inábil, prejudicial, advinda da delusão que gera Kamma prejudicial, que frutificará como um fruto amargo. Simples assim.

Claro, não vamos nos questionar dessa forma a cada passo que damos, mas já parou pra pensar nas suas atitudes durante o dia? Você aprova todas elas? Sim? Elas passam nos testes acima?

Imagem: entalhe com motivos Tibetanos, por XiangBa.

Não perceber o Karma não significa que ele não exista

“Mas eu conheço pessoas que fazem um monte de besteiras e não acontece nada!”

Bom, primeiro deveríamos estar cuidando de nossas vidas e não prestando atenção na vida do coleguinha, mas já que o assunto foi tocado…

Não temos como precisar o que a pessoa colhe de frutos das suas ações ou não. Não temos acesso completo e irrestrito àquela pessoa. “Mente dos outros é terra de ninguém”. Não sabemos os problemas que ela passa com saúde, família, casa, trabalho, internos, externos e etc. E mesmo que as pessoas pensem que farão coisas intencionadas e não terão que colher os frutos gerados (bons ou ruins), sinto dizer, mas irão. Se vão perceber ou não, vai da delusão de cada um. Nem sempre vemos o Kamma de sua origem até o final. Às vezes, só percebemos o fruto amargo (somos tão deludidos que nem percebemos os bons!) e culpamos aos outros por estarmos mal, culpamos aos deuses, às entidades… Mas nunca paramos para meditar sobre o problema:

  • O que estou passando?
  • Qual a origem desse problema?
  • Como ele pode ter chegado até mim?
  • O que posso fazer para que isso não ocorra novamente?
  • Como cessá-lo?

Como vimos acima, a mente é a grande vilã das intenções, por consequência, dos Kammas prejudiciais, mas ela também é nossa tábua de salvação, com o método de reflexão acima e com a Atenção Plena.

No Maha Satipatthana Sutta (Digha Nikaya 22), o Buda Gotama estabelece os fundamentos de Sati (atenção plena; inclusive, sutta essencial para meditação). Neste sutta, ele explica como devemos contemplar nossa mente e seus objetos mentais. Esses objetos podem ser derivados de cinco obstáculos:

  • Desejo Sensual (aqui incluem-se os sentidos, não somente o sexo);
  • Má vontade;
  • Preguiça/torpor;
  • Inquietação/ansiedade; e
  • Dúvida.

Os objetos mentais podem ser gerados também pelos Cinco Agregados do Apego, que são:

  • Forma;
  • Sensação;
  • Percepção;
  • Formações volitivas; e
  • Consciência.

Os objetos mentais podem ser também originados das seis bases:

  • Olho;
  • Ouvido;
  • Nariz;
  • Língua;
  • Corpo; e, por fim,
  • A própria mente.

Difícil, né? Mas se quiser conhecer sua mente por completo, o caminho é esse. Tem formas mais fáceis e resumidas também, mas acho complicado conhecer totalmente sem saber suas origens.

Em Resumo

Resumindo, para não ficar muito difícil? No Saleyyaka Sutta(Majjhima Nikaya), Buda Gotama explica as ações inábeis que geram Kamma.

  • Corporal: Violência, o que toma aquilo que não é dado (gato de luz também é roubo, amiguinho) e conduta sexual imprópria [ii].
  • Verbal: Linguagem mentirosa, maliciosa, grosseira e frívola.
  • Mental: Cobiça, má vontade, raiva, entendimento incorreto (delusão e enxergar de forma distorcida).

Meu resumo? Tudo que prejudica a si, a outro ser vivo e ao seu redor, é inábil, não virtuoso, um kamma prejudicial que gera frutos amargos. Tudo que beneficia a si (mas não prejudica outro e ao redor), beneficia outro ser vivo (mas não prejudica a si e ao redor) e beneficia ao seu redor (mas não prejudica a si e ao outro), é hábil, virtuoso, kamma benéfico e gera frutos doces de kamma.

Ainda não?!?!?!?! FAÇA AOS OUTROS O QUE VOCÊ GOSTARIA QUE FIZESSEM A VOCÊ!!!! Ou, como diria o bom Profeta Gentileza: “Gentileza gera gentileza, perfeição, amor, beleza e natureza”. Agora foi, né? Sei que sim!

Certa vez, perguntaram o Buda Gotama (e aqui me perdoem, mas não lembro qual o discurso exato dele), se as ações que fizemos no passado e em outras existências poderiam impactar nossa vida no presente. Buda respondeu que, o que existe é o presente, o passado é uma ilusão e o futuro não existe ainda. Devemos pensar agora o que fazemos.

Devemos gerar Kamma benéfico. Pois através dele, bons frutos serão colhidos.

Por Allan Koschdoski.

Imagem: entalhe com motivos Tibetanos, por XiangBa.

Referências e Notas: [i] Kamma nos Ensinamentos do Buda — http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/kamma_1.php; [ii] “se envolve sexualmente com pessoas que estão sob a proteção da mãe, do pai, dos irmãos, das irmãs, dos parentes, (ou seja, menores/incapazes)que possuem esposo(a), protegidas pela lei ou mesmo com quem esteja coroado(a) de flores por um outro(noivos(as)/Namorados(as))”; todos os suttas e nikayas do texto acima podem ser encontrados no site http://www.acessoaoinsight.net/sutta_pitaka.php, assim como diversos livros gratuitos não só sobre o Kamma, mas sobre o Dhamma do Buda Gotama, meditação vipassana e samadhi, absorções mentais, etc.

--

--

Projeto Xaoz
Projeto Xaoz

Written by Projeto Xaoz

Este projeto visa compilar, analisar e desenvolver as bases do conhecimento de sistemas mágicos. Leia mais em: www.xaoz.com.br

No responses yet