Lammas
e Lughnasadh: pão e jogos
O paganismo moderno, sobretudo os desdobramentos através das principais tradições de Wicca e Bruxaria, usam duas grandes denominações para os festejos do meio-do-verão: Lammas, um termo germânico que significa “missa do pão”, e remete a cristianização dos povos anglo-saxônicos; e Lughnasadh, um festival irlandês pré-cristão em honra do deus Lugh e de sua mãe adotiva Tailtiu. A estes festejos podemos ainda acrescentar a celebração do Freyfest, festival heathen que celebra o deus Freyr, também chamado de Freyrfaxi por alguns asatruar.
Como outras celebrações, esta data representa um festival de colheita, neste caso do trigo que fica maduro rapidamente pelas chuvas de verão. Algumas controvérsias envolvendo a visão neo-pagã e a visão reconstrucionista entre algumas terminologias, natureza dos deuses associados e erros de compreensão sobre o ciclo agropastoril podem ser apontadas neste festival. Trataremos então de explicar as terminologias deste festival, as leituras feitas pelas correntes de pagãos contemporâneos que destas se apropriam, e posteriormente apresentaremos algumas datas de outros povos que podem ser consideradas correlatas.
Apropriação pelo Cristianismo
Celebrado no Hemisfério Norte entre 31 de julho e 2 de agosto (o que faz a data ser chamada de Gwyl Awst / Gule de Agosto), e no Hemisfério Sul entre 31 de janeiro e 2 de fevereiro, Lammas é para os wiccanos e bruxos tradicionais uma celebração onde se destaca as características de produção de alimentos feitos de farinha de grãos (bolos, pães). Apesar da apropriação pagã, a Loaf Mass (Missa do Pão) e a Lammastide (Véspera da Missa do Pão) são uma tradição cristã onde são feitas as primeiras ações de graças em agradecimento pela prosperidade nas colheitas. Esta tradição é perpetuada por católicos, anglicanos e luteranos, sendo uma data importante no calendário eucarístico, onde o pão representa (através da hóstia) o corpo de Cristo. Nesta celebração, grupos de camponeses (ou vilões), portando foices, ceifam o cereal maduro dos campos para que os moleiros convertam o mesmo em farinha. Alguns estudiosos propõem uma etimologia alternativa para Lammas, como a corruptela de “Lamb mass”, a “Missa do cordeiro”.
Os movimentos de revivalismo pagão, sobretudo Margaret Murray e Hugh Ross Williamson (citados por Doreen Valiente), aproveitando de indícios históricos frágeis, reconstituíram uma narrativa aonde o assassinato do rei inglês William II, o Ruivo, fora motivado por algum culto pagão secreto como “Rei da Bretanha, dadas as circunstancias onde se supõe que o mesmo tenha sido garroteado até a morte. O rei William II, segundo da dinastia normanda que conquistou e unificou a Inglaterra, estava longe de ter uma boa relação com a Igreja Católica, sobretudo por se opor às reformas gregorianas que reduziam o poder secular sobre o poder eclesiástico. Morto por uma flecha atirada por um dos seus próprios homens, a morte do rei foi bem recebida pelo clero católico, que entendeu o evento como uma intervenção divina, mas boa parte dos acadêmicos contemporâneos entende que as provas de assassinato são circunstanciais demais para supor um homicídio, que dirá uma morte ritualística associada a um rito pagão clandestino.
Raízes Pagãs
O que realmente sabemos sobre as raízes pagãs anglo-saxônicas que antecedem ao Lammas é o nome usado pelos povos anglos, saxões e jutos para nomear o outono: hærfest (que significa colheita e dá origem a palavra inglesa moderna harvest), onde existe pouca distinção entre a estação meteorológica e a estação das colheitas, iniciadas a partir do mês de agosto nas ilhas Britânicas.
Com o processo de conversão desses povos ao Cristianismo, as fontes primárias e registros locais apontam que até o século IX foi utilizada a denominação hlafsenunga (benção do pão; ou alternativamente, fazer o sinal da cruz sobre o pão), que seria posteriormente substituída pelas missas de benção ao pão. Outra denominação anglo-saxônica para o mês de agosto, Weed-month (mês das ervas daninhas), pode ter correlação com o nascimento de ervas indesejadas nos pastos e campos de cereal após a estação das chuvas.
Os Jogos de Lugh
Se queremos realmente encontrar uma ou mais fontes pré-cristãs para “o feriado de agosto”, uma das melhores opções, para o paganismo britânico, é olhar para a celebração de Lughnasadh. Este é um festival gaélico irlandês pré-cristão, onde são celebrados os elementos de colheita de cereal e também ritualísticas mais associadas a práticas religiosas que não foram apropriadas pelos cristãos.
Os Jogos de Lugh, também chamados de Festejos de Lugh são uma celebração irlandesa, que se assemelha às Olimpíadas, onde disputas de esportes, artes marciais e jogos de tabuleiro eram realizadas, para demonstrar o domínio do deus Lugh sobre todas as artes e ofícios quando este se alistou ao exército dos Tuatha Dé Dannan. Lugh (cujo nome significa Luz) é um deus celta irlandês que nas religiões pagãs modernas está associado ao Sol, visão que é criticadas pelos movimentos mais baseados no estudo mitológico, linguístico e folclórico, que não subsidiam a leitura deste deus enquanto uma entidade solar. Os movimentos de reconstrucionismo celta, baseados nas pesquisas acadêmicas, o associam à claridade do lampejo do relâmpago.
Meio fomoriano e meio Tuatha Dé Dannan, foi profetizado que desde quando nascesse estaria destinado a assassinar seu avô Balor, rei dos fomorianos, dando inicio a uma batalha entre gerações, que faria do jovem deus o novo rei da Irlanda. Esse mito, da conflagração entre o deus jovem e seu avô é relacionada com as tempestades de verão que ocultam o sol inclemente e molham as plantações, da mesma forma que a funda de de Lugh derrota o olho maligno de Balor (do proto-celtico boleros, o mais brilhante) que tinha capacidades incendiárias, de paralisia e de envenenamento.
Tailtiu, mãe adotiva de Lugh, era uma deusa Fir Bolg, rainha e esposa do último rei desta tribo, ambos destronados quando os Tuatha Dé Dannan aportaram na Irlanda e se estabeleceram como novos soberanos. Morreu ao preparar e tornar verdes as terras da Irlanda, após derrubar a floresta de Caill Cuan, o que permitiu o estabelecimento da agricultura no lugar ocupado anteriormente pelas árvores. Acredita-se que a primeira versão do festival foi criada pelo próprio deus irlandês Lugh, como uma homenagem fúnebre à sua mãe adotiva, que havia se sacrificado para devolver a fertilidade da terra. Isso que faz com que as competições também sejam chamadas de Festejos (ou Jogos) de Tailtiu. Os jogos foram retomados ao longo do século XX por associações desportivas de irlandeses, que passaram a chamar suas competições locais de “Jogos de Tailtiu”.
Celebração em outras tradições
Outras tradições pagãs, como é o caso dos heathen nórdicos e asatruar, celebram o deus Freyr neste período (as colheitas de agosto). Modernamente alguns grupos chamaram o ritual de Freyrfaxi (crina de Freyr), em homenagem a um cavalo mitológico pertencente a Hrafnakell, um sacerdote do deus Freyr, sobre o qual repousava o tabu de que apenas o dono poder montar o cavalo, o que acabou com a morte de um jovem pastor e um ciclo de vendetas e derramamentos de sangue. Muitos pagãos modernos, sobretudo aqueles que são alinhados as nove virtudes asatrú, consideram o simbolismo deste nome negativo e incompatível com a celebração dos deuses, optando por chamar a celebração de Freyrfest (Festival de Freyr), onde seriam celebrados o deus vanir e os elfos de Alfheim.
Saindo das celebrações formais do paganismo moderno, podemos trazer, dentro do mesmo simbolismo as Olimpíadas, uma grande competição internacional, retomada por Pierre de Frédy (Barão de Coubertin) e inspirada nos jogos realizados pelos gregos na antiguidade clássica, e que ocorrem de quatro em quatro anos, sempre entre o final de julho e o início da segunda semana de agosto. Buscando resgatar o espírito das competições feitas pelos gregos na cidade de Olímpia, onde ficava um dos mais importantes templos de Zeus, cuja estátua era uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo, guerreiros e jovens colocavam suas habilidades à prova, os vencedores sendo coroados com louros.
Celebração no Cristianismo
Uma simpatia medieval de Lammas, com iconografia e símbolos cristãos, orienta:
- Pegue dois pedaços de madeira com quatro bordas, e em cada borda escreva um Pai-Nosso.
- Coloque as duas madeiras em forma de cruz sobre os chão do celeiro.
- Pegue quatro pedaços de pão abençoado na missa de Lammas e espalhe as migalhas pelos quatro cantos do celeiro.
- Depois profira uma benção para afastar os ratos do celeiro e evitar que estes consumam os grãos que ali serão armazenados.
- Reze uma nova benção e conclua com um Pai-Nosso.
Por: Projeto Xaoz.