Mabon

A colheita dos frutos

Projeto Xaoz
7 min readMar 20, 2021

Comemorado no hemisfério norte entre 20 e 23 de setembro e no hemisfério sul entre 20 e 23 de março, esta data marca, já nos calendários modernos baseados em quatro estações, o fim do Verão e o início do Outono. Como já reforçamos anteriormente, os povos pagãos celtas (britânicos e irlandeses) e germânicos (anglo-saxões e escandinavos) acreditavam na existência de apenas duas estações, Verão e Inverno. Já a definição de primavera como uma estação independente é muito tributável ao calendário hídrico dos povos do Mediterrâneo e do Oriente Médio, onde a Primavera tem associação tanto com um ciclo solar quanto com o fim da estação das secas, perfazendo um sistema de três estações.

Imagem: Juan Cotán.

Mas se as principais fontes pagãs da antiguidade têm estações do ano organizadas ou pela disponibilidade de luz solar (estação clara e estação escura) ou de água (estação seca, estação das chuvas e estação das enchentes), como podemos chegar ao Outono como parte de um calendário baseado em quatro estações e as suas celebrações?

Etimologia

Existem fortes indícios de que o Outono, ainda que não entendido como uma “estação” do ano, se incluiria de alguma maneira na transição e na interseção dos círculos luminosos e dos ciclos hídricos e acabaria se estruturando como uma estação dentro do calendário climático, que tem fontes abundantes no período medieval. O fato de a maioria dos povos antigos reconhecer solstícios e equinócios enquanto efemérides astronômicas é prova insuficiente para indicar que estas fossem formalmente marcos de transição entre as estações, e como também vimos anteriormente, o Solstício de Verão e o Solstício de Inverno eram compreendidos como “Midsummer” e “Midwinter”, ou seja, o meio da estação e não seu início como datamos nos calendários contemporâneos. De maneira similar, o Equinócio de Primavera e o Equinócio de Outono aparecem parcialmente associadas à transição climática no calendário solar ou enquanto etapas intermediárias. Na língua inglesa entendemos Spring como o “salto da folha” (spring of the leaf) e Fall enquanto “queda da folha” (fall of the leaf), dando mais destaque à reação da vegetação as mudanças climáticas do que a uma mudança astronômica.

Imagem: Juan Cotán.

Outras pistas que encontramos para a construção do Outono estão ligadas em duas outras características desse período de “interseção” do calendário luminoso e do calendário hídrico. Em latim, a palavra autumnus parece conectado com a palavra auctus (enriquecer, ampliar, aumentar), e também com radicais proto-indoeuropeus “*h₃ewǵ-” (frio, esfriar) e “*h₂sows-” (secar), todas estas características associadas ao período. Se pelo aspecto da luminosidade ocorre um resfriamento por conta da gradativa diminuição da disponibilidade de luz, pelo aspecto hídrico a oferta de água começa a reduzir. E para as sociedades agropastoris o momento é um dos mais prósperos, com grandes colheitas que começarão a ser não apenas consumidas mas também terão o excedente estocado, e outros alimentos como frutas e verduras começarão a ser desidratados ou convertidos em conservas, e também começarão a ser produzidos óleos vegetais, bebidas fermentadas, etc. Diante desses elementos, o leitor já deve estar se perguntando: “mas porque todas essas informações são importantes?” Não íamos falar de Mabon ou do Equinócio de Outono?

Neo-Paganismo

Para chegar nas celebrações neo-pagãs do Equinócio Boreal (outro nome para o Equinócio de Outono), é preciso destacar como a reorganização do calendário e o vácuo de celebrações definidas nesta data. Um mito grego muito importante, o do rapto de Perséfone por Hades, originalmente trata da existência de três estações: o inverno seco onde a deusa habita o Submundo, já a primavera e o verão férteis representam o período onde a deusa retorna a Terra e habita com sua mãe Deméter. Neste mito não existe uma quarta estação, porém o período do rapto de Perséfone que antecede o início da peregrinação de Deméter pelo mundo acabou sendo associado por muitos ao Equinócio de Outono.

Imagem: Juan Cotán.

O vazio mitológico para explicar as celebrações do Equinócio de Outono em fontes anglo-saxônicas, que foram consideradas preferenciais por Gerald Gardner e seus sucessores na Wicca, ou nas fontes célticas, preferidas pelos membros do neo-druidismo, foi um elemento de abundante discussão na comunidade neo-pagã, que se esforçava em sistematizar o próprio culto. Enquanto os autores da antropologia pagã apresentavam festivais de colheita como uma evidência de celebrações pré-cristãs, essas celebrações eram bastante domésticas e geravam pouco engajamento comunitário.

Imagem: Juan Cotán.

Vários rituais foram propostos e apresentados para suprir o vácuo existente no equinócio de Outono: Harvest Tide, o tempo de colheita, ou seja, um marco no calendário agrospastoril para a estação das colheitas; Alban Elfed, a luz da água, associado com a posição cardinal das estações, também chamada de “Noite do Caçador”; Meán Fómhair, setembro, em referência ao mês onde a data ocorre na Irlanda; e Ingathering, a festa dos primeiros frutos, em referência a colheita dos campos e ao processo de coleta de frutas que começam a amadurecer na estação.

Depois de alguns anos de debate, Aidan Kelly proporia um nome que se consolidava para a posteridade: Mabon. Tentando de alguma maneira unificar e alinhar elementos caros a neodruidas e wiccanos, o autor recorreu a mitologia galesa e encontrou o personagem Mabon (ou Maponos, filho mais velho), filho de Modron (que muitos consideram Dea Matrona, literalmente deusa mãe). Sua história encontra similaridades com o mito de Perséfone e Deméter, e em seu mito ele teria sido roubado dos braços da mãe quando ainda recém nascido para atender a desígnios mágicos.

Imagem: Juan Cotán.

Um dos elementos que mais se enraíza no paganismo celta é aquele observado nas celebrações de Harvest Home ou Ingathering, onde o último ramo de grão no campo é chamado de cailleac e representa o espírito daquele campo de cereais. O ramo é então utilizado para fazer um boneco que é encharcado de água e serve como amuleto para controlar as chuvas sobre os campos, sendo preservado até a nova temporada de plantio. Também são exorcizados os maus espíritos dos campos que poderiam trazer pragas, seca e infertilidade. Esses elementos se conectam com Cailleach, uma figura mitológica e divina que é descrita como uma mulher velha, coberta com um véu e lamentosa, que representa o espírito do inverno. Ela comanda as tempestades, também sendo chamada de “velha dos feitiços”, e é responsável por murchar as folhas.

Apesar disso, os asatruar propuseram para a data um nome alternativo, Haustablót, o sacríficio de Outono, onde são tratados simbolicamente a aproximação do fim das colheitas e o fim dos dias de crescimento dos grãos no campo, onde só restam os ramos maduros para colher na ocasião e o restante dos ramos verdes que ainda aguardam mais um mês para serem colhidos. Este é um momento de preparação para o inverno cada vez mais próximo, e existe o senso de urgência em guardar alimentos para sobreviver que se expressa nas preces dirigidas para os vanir Freyr e Freya.

Festival Moderno

Outra celebração germânica, esta de origem moderna, que apesar de não ser pagã é parcialmente correlata com as colheitas do Equinócio de Outono, é a Oktoberfest, celebração que tem início em 1811 com o casamento do rei da Bavária, Ludwig I. O rei Ludwig foi um entusiasta da Idade Média e da Antiguidade Clássica, mecenas da reforma de inúmeros templos e monastérios e propagador de obras no estilo neo-clássico, como o Memorial Walhalla, onde pretendeu fazer uma versão germânica do Pantheon romano, dedicada a ícones da cultura germânica, como militares, teólogos, artistas e cientistas.

Imagem: Juan Cotán.

O Oktoberfest se converteu em um festival anual, com início no primeiro domingo de outubro, onde abundam a cerveja e depende-se da produção de grãos. Foram acrescentadas atividades como corridas de cavalos, escalada, boliche, dentre outras. O festival foi chamado também de “kleineres Herbstfest” (pequena celebração de outono).

Simbolismo

Diante do exposto, vemos que Mabon significa a época de colheita dos grãos e frutos, que serão guardados e/ou processados para um longo inverno que virá. Pode-se proceder à preparação de óleos, vinhos, conservas, compotas, geleias, frutas cristalizadas, e outras formas de prolongar o tempo de prateleira dos alimentos in natura.

Na magia, feitiços para frutificação e colheita de resultados podem ser feitos. Adoçamentos, oferendas agradecendo pelo ciclo passado, oferendas preparando o ciclo futuro. No campo mental é possível meditar sobre o que se está colhendo, se é suficiente ou se faltou algo, para planejar melhor o próximo plantio.

Por: Projeto Xaoz.

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Este projeto visa compilar, analisar e desenvolver as bases do conhecimento de sistemas mágicos. Leia mais em: www.xaoz.com.br

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