Mabon
A colheita dos frutos
Comemorado no hemisfério norte entre 20 e 23 de setembro e no hemisfério sul entre 20 e 23 de março, esta data marca, já nos calendários modernos baseados em quatro estações, o fim do Verão e o início do Outono. Como já reforçamos anteriormente, os povos pagãos celtas (britânicos e irlandeses) e germânicos (anglo-saxões e escandinavos) acreditavam na existência de apenas duas estações, Verão e Inverno. Já a definição de primavera como uma estação independente é muito tributável ao calendário hídrico dos povos do Mediterrâneo e do Oriente Médio, onde a Primavera tem associação tanto com um ciclo solar quanto com o fim da estação das secas, perfazendo um sistema de três estações.
Mas se as principais fontes pagãs da antiguidade têm estações do ano organizadas ou pela disponibilidade de luz solar (estação clara e estação escura) ou de água (estação seca, estação das chuvas e estação das enchentes), como podemos chegar ao Outono como parte de um calendário baseado em quatro estações e as suas celebrações?
Etimologia
Existem fortes indícios de que o Outono, ainda que não entendido como uma “estação” do ano, se incluiria de alguma maneira na transição e na interseção dos círculos luminosos e dos ciclos hídricos e acabaria se estruturando como uma estação dentro do calendário climático, que tem fontes abundantes no período medieval. O fato de a maioria dos povos antigos reconhecer solstícios e equinócios enquanto efemérides astronômicas é prova insuficiente para indicar que estas fossem formalmente marcos de transição entre as estações, e como também vimos anteriormente, o Solstício de Verão e o Solstício de Inverno eram compreendidos como “Midsummer” e “Midwinter”, ou seja, o meio da estação e não seu início como datamos nos calendários contemporâneos. De maneira similar, o Equinócio de Primavera e o Equinócio de Outono aparecem parcialmente associadas à transição climática no calendário solar ou enquanto etapas intermediárias. Na língua inglesa entendemos Spring como o “salto da folha” (spring of the leaf) e Fall enquanto “queda da folha” (fall of the leaf), dando mais destaque à reação da vegetação as mudanças climáticas do que a uma mudança astronômica.
Outras pistas que encontramos para a construção do Outono estão ligadas em duas outras características desse período de “interseção” do calendário luminoso e do calendário hídrico. Em latim, a palavra autumnus parece conectado com a palavra auctus (enriquecer, ampliar, aumentar), e também com radicais proto-indoeuropeus “*h₃ewǵ-” (frio, esfriar) e “*h₂sows-” (secar), todas estas características associadas ao período. Se pelo aspecto da luminosidade ocorre um resfriamento por conta da gradativa diminuição da disponibilidade de luz, pelo aspecto hídrico a oferta de água começa a reduzir. E para as sociedades agropastoris o momento é um dos mais prósperos, com grandes colheitas que começarão a ser não apenas consumidas mas também terão o excedente estocado, e outros alimentos como frutas e verduras começarão a ser desidratados ou convertidos em conservas, e também começarão a ser produzidos óleos vegetais, bebidas fermentadas, etc. Diante desses elementos, o leitor já deve estar se perguntando: “mas porque todas essas informações são importantes?” Não íamos falar de Mabon ou do Equinócio de Outono?
Neo-Paganismo
Para chegar nas celebrações neo-pagãs do Equinócio Boreal (outro nome para o Equinócio de Outono), é preciso destacar como a reorganização do calendário e o vácuo de celebrações definidas nesta data. Um mito grego muito importante, o do rapto de Perséfone por Hades, originalmente trata da existência de três estações: o inverno seco onde a deusa habita o Submundo, já a primavera e o verão férteis representam o período onde a deusa retorna a Terra e habita com sua mãe Deméter. Neste mito não existe uma quarta estação, porém o período do rapto de Perséfone que antecede o início da peregrinação de Deméter pelo mundo acabou sendo associado por muitos ao Equinócio de Outono.
O vazio mitológico para explicar as celebrações do Equinócio de Outono em fontes anglo-saxônicas, que foram consideradas preferenciais por Gerald Gardner e seus sucessores na Wicca, ou nas fontes célticas, preferidas pelos membros do neo-druidismo, foi um elemento de abundante discussão na comunidade neo-pagã, que se esforçava em sistematizar o próprio culto. Enquanto os autores da antropologia pagã apresentavam festivais de colheita como uma evidência de celebrações pré-cristãs, essas celebrações eram bastante domésticas e geravam pouco engajamento comunitário.
Vários rituais foram propostos e apresentados para suprir o vácuo existente no equinócio de Outono: Harvest Tide, o tempo de colheita, ou seja, um marco no calendário agrospastoril para a estação das colheitas; Alban Elfed, a luz da água, associado com a posição cardinal das estações, também chamada de “Noite do Caçador”; Meán Fómhair, setembro, em referência ao mês onde a data ocorre na Irlanda; e Ingathering, a festa dos primeiros frutos, em referência a colheita dos campos e ao processo de coleta de frutas que começam a amadurecer na estação.
Depois de alguns anos de debate, Aidan Kelly proporia um nome que se consolidava para a posteridade: Mabon. Tentando de alguma maneira unificar e alinhar elementos caros a neodruidas e wiccanos, o autor recorreu a mitologia galesa e encontrou o personagem Mabon (ou Maponos, filho mais velho), filho de Modron (que muitos consideram Dea Matrona, literalmente deusa mãe). Sua história encontra similaridades com o mito de Perséfone e Deméter, e em seu mito ele teria sido roubado dos braços da mãe quando ainda recém nascido para atender a desígnios mágicos.
Um dos elementos que mais se enraíza no paganismo celta é aquele observado nas celebrações de Harvest Home ou Ingathering, onde o último ramo de grão no campo é chamado de cailleac e representa o espírito daquele campo de cereais. O ramo é então utilizado para fazer um boneco que é encharcado de água e serve como amuleto para controlar as chuvas sobre os campos, sendo preservado até a nova temporada de plantio. Também são exorcizados os maus espíritos dos campos que poderiam trazer pragas, seca e infertilidade. Esses elementos se conectam com Cailleach, uma figura mitológica e divina que é descrita como uma mulher velha, coberta com um véu e lamentosa, que representa o espírito do inverno. Ela comanda as tempestades, também sendo chamada de “velha dos feitiços”, e é responsável por murchar as folhas.
Apesar disso, os asatruar propuseram para a data um nome alternativo, Haustablót, o sacríficio de Outono, onde são tratados simbolicamente a aproximação do fim das colheitas e o fim dos dias de crescimento dos grãos no campo, onde só restam os ramos maduros para colher na ocasião e o restante dos ramos verdes que ainda aguardam mais um mês para serem colhidos. Este é um momento de preparação para o inverno cada vez mais próximo, e existe o senso de urgência em guardar alimentos para sobreviver que se expressa nas preces dirigidas para os vanir Freyr e Freya.
Festival Moderno
Outra celebração germânica, esta de origem moderna, que apesar de não ser pagã é parcialmente correlata com as colheitas do Equinócio de Outono, é a Oktoberfest, celebração que tem início em 1811 com o casamento do rei da Bavária, Ludwig I. O rei Ludwig foi um entusiasta da Idade Média e da Antiguidade Clássica, mecenas da reforma de inúmeros templos e monastérios e propagador de obras no estilo neo-clássico, como o Memorial Walhalla, onde pretendeu fazer uma versão germânica do Pantheon romano, dedicada a ícones da cultura germânica, como militares, teólogos, artistas e cientistas.
O Oktoberfest se converteu em um festival anual, com início no primeiro domingo de outubro, onde abundam a cerveja e depende-se da produção de grãos. Foram acrescentadas atividades como corridas de cavalos, escalada, boliche, dentre outras. O festival foi chamado também de “kleineres Herbstfest” (pequena celebração de outono).
Simbolismo
Diante do exposto, vemos que Mabon significa a época de colheita dos grãos e frutos, que serão guardados e/ou processados para um longo inverno que virá. Pode-se proceder à preparação de óleos, vinhos, conservas, compotas, geleias, frutas cristalizadas, e outras formas de prolongar o tempo de prateleira dos alimentos in natura.
Na magia, feitiços para frutificação e colheita de resultados podem ser feitos. Adoçamentos, oferendas agradecendo pelo ciclo passado, oferendas preparando o ciclo futuro. No campo mental é possível meditar sobre o que se está colhendo, se é suficiente ou se faltou algo, para planejar melhor o próximo plantio.
Por: Projeto Xaoz.