Magia Branca ou Magia Negra?
Pra gente começar a conversar sobre esse tema é essencial que a gente perceba o que é o centro dessa questão: geralmente o assunto de magia branca ou negra é um debate sobre valores. É impossível que a gente fale sobre esse assunto sem tocar no tema da moral, especialmente a moral cristã. Isso também significa que, pra conversar disso, é muito mais legal ter algum contato com os conceitos de ética, moral e valores. Não só no senso comum, mas para, como bons magistas, realmente entendermos sobre o que essas palavras falam.
Moral Cristã
Minha dica de material bom, resumido e rápido é o episódio #084 — Ética, com Roberto Romano, do podcast Filosofia Pop (que tem 1h e é um conteúdo resumidíssimo pro tanto que aprofunda no tema). Em especial o que é importante é a gente entender o debate sobre o que é “bem” e o que torna as coisas “boas”. Além disso, a noção de que a moral é um conjunto de valores de um contexto específico, e que isso vai mudar com a cultura, com o tempo, com o lugar, e até com a pessoa, é bem central.
Eu to falando tudo isso por que se quando a gente fala de “magia branca x negra” a primeira reação dos ocidentais é encarar como magia do bem x magia do mal”, a segunda é “magia da luz x magia das trevas”. Logo a seguir (e eu boto a responsabilidade disso no Crowley) pensa-se em “magia pra mim x magia pros outros”. Esse tema ecoa de forma similar por várias abordagens.
O argumento aqui é que a “magia branca” é uma forma de se tornar uma pessoa melhor e ir se aproximando, pouco a pouco, da sua Verdadeira Vontade (ou conceitos similares, seja se aproximar do Uno, seja se iluminar e ser a melhor versão de si mesmo, etc.). Nesse sentido, se a magia branca (percebam a correspondência desse termo com “boa”, mesmo que apenas subjetivamente) é aquela que afeta apenas o seu caminho, enquanto a magia negra é aquela que atua contra a vontade do outro, o valor que classifica a magia como branca ou negra é a interferência na Vontade.
Mão Direita e Mão Esquerda
Esse debate é o mesmo debate da mão direita ou mão esquerda, com o adendo de que sob essa nomenclatura, o valor que classifica a magia é a manutenção da ordem ou a mudança e perversão dela. Ainda que essa abordagem seja mais discreta no seu julgamento, a gente logo percebe que a prática de magistas de mão esquerda sempre requer uma justificativa, mesmo que silenciosa, e a gente pode ver isso com o tanto de “faz o que tu queres” que brota na mesa quando alguém se posiciona.
No assunto da Qaballah, Sephiroth ou Qliphoth são abordagens que estão bem de acordo com as abordagens acima, da mesma forma que magia com anjos ou magia com demônios.
Outra abordagem muito coerente com o que vemos até aqui é a “Magia que te deixa muito bem relacionado” ou uma perspectiva de interação com deuses maiores do que a própria magista e, portanto, tem mais condições de guiá-la (vejam como a noção de ordem ou de deuses “do bem” está intrínseca a essa relação) em contraposição a magias que te tornam o centro da existência enquanto o(a) deus(a) supremo(a) — notem que, nesse caso, o valor da submissão à divindade é o que está definindo qual lado é bom, ou o valor do individualismo definindo qual lado é ruim.
Consciência Crítica
A maior parte dos praticantes que eu conheço adota uma ou mais dessas abordagens sobre o tema, mas eu sou bem do tipo que gosta das perspectivas críticas. A consciência crítica empodera a magista pra que ela possa desconstruir a estrutura e reconstruir à sua própria maneira sem perder a coerência, na minha opinião. E o primeiro ponto da perspectiva critica é a imprudência de excluir um recorte de raça no uso da palavra “negra”, considerando que a magia dos povos negros sempre foi muito demonizada (sejam as infinitas tradições dos vários grandes impérios da humanidade construídos por povos negros, até o judaísmo e islamismo, também demonizados em relação aos povos negros), mas vamos deixar esse último ponto pra algum(a) magista negra(o) puder compartilhar o conhecimento conosco.
Eu não trabalho com essas divisões.
Essas categorias são muito úteis para que nós possamos entender quais mudanças estamos gerando na realidade, por quais caminhos estamos direcionando as forças e quais impactos e consequências esperamos das nossas ações (se é que vai surtir alguma). Mas quando meu olhar parte de uma abordagem mais prática, o que eu vejo é um monte de meios-termos e zonas cinzentas.
Digo isso por que quando faço uma magia para me manter saudável, é uma magia da conservação do meu estado de saúde ou uma magia que muda a minha forma de cuidar de mim mesmo? Quando faço uma magia pra conseguir um emprego, como posso ignorar que essa vaga que eu ocupei significa que outra pessoa não conseguiu esse emprego? Quando fazemos magia de amor, dinheiro, prosperidade, sorte, sucesso, essas variáveis estão sendo mantidas ou mudadas? Existe magia sem mudança? Então essas divisões se tornam muito pouco definidas.
É razoável, então, que classifiquemos o ato mágico, e não a tradição ou a prática de magistas, por exemplo, no caso da magia pelo emprego: se meu ritual tem como objeto a minha capacidade, se o objetivo da magia é melhorar o meu desempenho, isso é uma coisa. Por outro lado, se o ato mágico tem como foco atrapalhar a concorrência, afetar diretamente o caminho do outro, aí já é outra coisa. E como fica a magia que altera a percepção da recrutadora sobre mim? Nesse caso é uma influência direta na escolha dela, mas também é um ato mágico a meu favor. Se a referencia moral é o fim ou se a referencia é o meio, a categorização muda drasticamente.
Debater magia “branca ou negra” é um debate ético.
Perspectiva sobre a interferência
A perspectiva sobre o valor da não interferência parece ser um dos pontos mais comuns quando classificamos uma operação, mas essa perspectiva é muito ideal. O valor da não interferência não se verifica na nossa interação com o mundo material de forma tão categórica. Então a reflexão que fica ecoando na minha cabeça toda vez que surge esse assunto na mesa é: pra quê fazemos essas divisões e, quando fazemos, de que forma isso impacta a nossa prática?
São muito bem recebidas as suas impressões, ideias e insights aqui nos comentários, mas principalmente tragam esses questionamentos pras práticas de vocês e me digam se vocês conseguem perceber alguma dinâmica que antes não percebiam.
Por: Husky.