Magia das Cores

O simbolismo cromático e seu uso na magia

Projeto Xaoz
8 min readJan 20, 2021

Cores podem simbolizar sentimentos, conceitos, estados de espírito e energias específicas, e às vezes parece que a correspondência entre as cores e o que se deseja simbolizar é natural, quase inata. Longe disso. A associação de cores a sensações específicas é fortemente influenciada pela socialização e pela cultura ao nosso redor, sendo que pessoas de duas culturas diferentes podem associar uma mesma cor a aspectos até mesmo opostos.

Sabemos por exemplo que antigamente a cor vermelha e suas matizes (vermelho vivo, tijolo, rosa) eram associadas muito mais aos aspectos de atividade que se desejavam de crianças com cromossomos XY, enquanto o azul e suas matizes (azul royal, cerúleo, azul-bebê) traziam a passividade esperada de crianças com cromossomos XX. Hoje isso parece ter se invertido em um delírio coletivo de “azul é de menino, rosa é de menina” que associa gênero a genital e genital a cor, além de ignorar completamente todas as outras identidades de gênero e combinações cromossômicas.

Imagens: o menino vermelho (Lambton, 1825) e as bailarinas (Degas, 1895).

As cores como representantes de energia são abordados em trabalhos de telesmática (que tratam da confecção de estatuetas e ilustrações ritualísticas), além das partes do Lemegeton que tratam da confecção de pantáculos do traçado de círculos ritualísticos (como por exemplo o Ars Goetia).

Sendo assim, este ensaio tem como objetivo abordar resumidamente o uso das cores na magia, tendo como foco principalmente quatro paradigmas: (i) as Clavículas de Salomão do Século XV; (ii) os rituais da Golden Dawn do Século XX; (iii) a Magia Cromática de Carroll no Liber Kaos de 1992; e (iv) a magia folclórica contemporânea presente por exemplo em rituais com velas e na escolha de cores de roupas de baixo para o revéillon.

Clavículas de Salomão

Nas Clavículas de Salomão do Século XV, podemos ler uma instrução bem direta quanto às cores dos pantáculos:

  1. Sete pantáculos consagrados a Saturno = Preto
  2. Sete pantáculos consagrados a Júpiter = Azul
  3. Sete pantáculos consagrados a Marte = Vermelho
  4. Sete pantáculos consagrados ao Sol= Amarelo
  5. Cinco pantáculos consagrados a Vênus = Verde
  6. Cinco pantáculos consagrados a Mercúrio = Cores Misturadas
  7. Seis pantáculos consagrados à Lua = Prata

A associação planetária mais comumente observada na magia é aquela que se dá em relação aos principais metais da alquimia. Saturno é associado ao chumbo, Júpiter ao estanho, Marte ao ferro, Sol ao ouro, Vênus ao cobre, Mercúrio ao próprio mercúrio e Lua à prata. Embora mercúrio possa ser representado por cores misturadas e variadas, outros grimórios da mesma época associam o planeta mercúrio à cor laranja.

O ouro e a prata costumam se apresentar em sua forma metálica, o que facilita a associação às cores dourada e prateada, ou amarelo e cinza. Porém os outros metais eram muitas vezes utilizados não na forma reduzida, mas sim oxidada, como minérios, sais ou óxidos propriamente ditos. Analisando um pouco melhor os compostos mais conhecidos que contêm cátions de cada um destes metais, é possível compreender um pouco melhor o motivo das associações com cores.

Imagem: minérios incluindo os sete metais planetários.

Enquanto a ferrugem (do ferro) adquire tons avermelhados, o zinabre (do cobre) tem a cor verde; o cinábrio (do mercúrio) tem um tom de vermelho a laranja, e alguns cloretos ou outros sais de estanho realmente adquirem uma cor azul forte; alguns sais de chumbo têm a cor preta e o próprio metal adquire tons escuros, o que facilita a associação.

Golden Dawn

Nos rituais da Golden Dawn, as instruções definem expressamente as cores a seres utilizadas. No Ritual do Neófito, por exemplo, trajes vermelhos trazem o aspecto de transformação alquímica, enquanto na organização do templo estão incluídas superfícies pintadas com todas as cores do arco-íris e mais o branco e o preto. As quatro escalas de cores — do Rei, da Rainha, do Príncipe e do Pajem — incluem 32 cores bem específicas cada (em um total de 128 tons).

Porém, uma das atribuições mais significativas para uso em magia cromática talvez seja a das Sephiroth da árvore da vida. Isto porque o sistema da Golden Dawn traz associações que vão desde aspectos espirituais até objetivos mais práticos, perpassando planetas e metais. Porém, pode-se perceber que nem sempre as associações apresentadas em um dos livros está de acordo com a de outros; por exemplo, no livro Golden Dawn de Israel Regardie podem ser encontradas associações diferentes daquelas apresentadas no Liber 777.

Imagem: cores associadas à árvore da vida da Cabala segundo a Golden Dawn.
  1. Kether: branco, mercúrio (Regardie) / Plutão (777)
  2. Chokmah: cinza , sal (Regardie) / Netuno (777)
  3. Binah: preto, enxofre (Regardie) / Saturno (777)
  4. Chesed: azul, prata (Regardie) / Júpiter (777)
  5. Geburah: vermelho, ouro (Regardie) / Marte (777)
  6. Tiphareth: amarelo, ferro (Regardie) / Sol (777)
  7. Netzach: verde, cobre (Regardie) / Vênus (777)
  8. Hod: laranja, estanho (Regardie) / Mercúrio (777)
  9. Yesod: roxo, chumbo (Regardie) / Lua (777)
  10. Malkuth: cores variadas, mercurium philosophorum (Regardie) / Terra (777)

Na realidade, os metais apresentados por Regardie como “atribuições alquímicas adicionais à Árvore da Vida” não parecem fazer muito sentido, e para fins ritualísticos pode ser melhor utilizar os planetas do Liber 777 com a correlação de metais das Clavículas.

Liber Kaos

Em uma abordagem mais recente, o autor Peter Carroll, em seu livro Liber Kaos, classifica a magia em relação a seu intento ou objetivo de acordo com 7 cores e mais uma oitava, chamada Octarina. Ao serem analisadas, vê-se que estas formas de magia possuem relação indireta com os Chakras, e ao mesmo tempo consistem em uma classificação aplicável aos objetivos mais recorrentes no contexto atual.

  1. Magia Vermelha: relacionada à beligerância, tanto no sentido de combates mágicos quanto na atração de vitalidade e outros aspectos que possam auxiliar em batalhas e conflitos.
  2. Magia Laranja: relacionada a pensamentos, sagacidade, às habilidades necessárias para comunicação e difusão de conhecimentos, e à rapidez de raciocínio.
  3. Magia Amarela: relacionada ao ego, permite modificar a aparência, os trejeitos, a forma de ver o mundo e de ser visto pelas pessoas, assim como o carisma.
  4. Magia Verde: relacionada ao amor, faz pessoas se sentirem atraídas romanticamente, além de permitir resolver questões sobre confiança e amizade.
  5. Magia Azul: relacionada à fortuna, a riquezas, e mais especificamente ao controle de aspectos materiais ou mesmo ao poder sobre pessoas.
  6. Magia Roxa (ou prateada): relacionada ao sexo, permite fazer pessoas se sentirem atraídas sexualmente, e também resolver questões de libido.
  7. Magia Negra (ou violeta, mantendo a coerência): relacionada à morte, podendo ser usada para evitar a morte prematura ou finalizar aspectos não desejados.
  8. Magia Octarina: é a expressão da magia pura, sem alinhamentos ou sintonias, podendo ser direcionada a qualquer intento, ou a objetivos mais complexos. Permite a evocação de formas-deus muito variadas, e o funcionamento da mente em moldes totalmente desprendidos do senso comum.
Imagem: as cores da Magia no Liber Kaos de Carroll e a Magia Octarina.

Magia Folclórica

Folclore é o conjunto de saberes populares que estão à nossa volta, assim como o conhecimento passado de forma oral e as histórias que o povo conta, e que não necessariamente têm exatidão histórica ou científica, mas que são amplamente conhecidas. As cores têm seu lugar de respeito dentro deste folclore, sendo que suas associações ou simbolismos podem mudar ao longo do tempo.

Expressões e frases recheadas de simbolismo podem ser amplamente encontradas no saber popular, e muitas vezes há preconceitos por trás do surgimento de cada expressão — preconceitos estes que devemos reconhecer e combater, pois a linguagem é sim instrumento político. “Lista negra”, a situação “estar preta” e “denegrir” são apenas algumas das desprezíveis heranças do sistema escravocrata que perdurou por séculos no País (e que ainda perdura de formas menos explícitas). Outras expressões não tão problemáticas podem incluir as “notas vermelhas” no boletim, “tudo azul” em tom de tranquilidade, e o gramado do vizinho que é sempre “mais verde”.

Todo esse simbolismo pode ser observado em rituais contemporâneos, por exemplo na escolha das cores de velas ou de calcinhas para passar o réveillon, e também nas escolhas de cores de logotipos, pintura de paredes e confecção de peças de marketing. Dificilmente um motel com a cor Verde (de Vênus, rainha do amor) trará clientes apaixonados, e certamente um hospital pintado todo de laranja (cor de Mercúrio, patrono dos médicos) não proverá tranquilidade aos pacientes.

Ou seja,

os significados das cores mudam não só em relação ao tempo, mas também em relação ao local, e a quem está fazendo a associação.

Imagem: significados geralmente considerados na cultura popular para escolha de velas ou roupas.

Comparações

Quando comparamos os significados das cores em diferentes paradigmas, podemos perceber que existem algumas coincidências interessantes e algumas diferenças mais interessantes ainda. A concepção popular sobre os significados das cores pode ainda ser comparada com as cores atribuídas aos 7 principais chakras, resultando em uma análise interessante.

Imagem: comparação de associações cromáticas em diferentes paradigmas.

Vemos que Marte/Geburah/Guerra são associados à cor vermelha de forma consistente, e o mesmo ocorre para o verde com Vênus/Amor/Chakra Cardíaco, e também para o amarelo com Sol/Tiphareth/Ego/Riqueza/Plexo Solar. A cor preta representando a falta de iluminação e o branco como excesso de luz continuam, de certa forma, associadas a aspectos duais de sombra e luz, morte e vida, sorte e azar, etc.

O vermelho da guerra dá lugar à Paixão na concepção popular, talvez simbolizando o aspecto mais ativo da sexualidade que pode ser visto em diversas deusas do sexo e da guerra (ex: Ishtar). Já o verde, que era associado ao amor, está relacionado com a esperança nos tempos mais recentes provavelmente pelos significados da vegetação e da promessa de uma nova primavera (ex: Gaia, “mãe natureza”).

Como conclusão, fica aqui a dica: não existem associações únicas. Uma associação ou correlação para uso em magia irá depender muito do local, da época e de quem está realizando o estudo. Mais importante do que as associações em si são os critérios considerados para cada associação feita. Estes critérios devem ser entendidos como válidos de forma consciente e também inconsciente, pela pessoa que faz o ritual, para que a magia possa navegar pelas conexões que foram feitas e chegar até o objetivo desejado.

E para finalizar, como já dizia Xuxa no filme “contra o Baixo Astral”,

“Toda cor tem em si
Uma luz uma certa magia
Toda cor tem em si
Emoções em forma de poesia”.

Por: RoYaL.

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Este projeto visa compilar, analisar e desenvolver as bases do conhecimento de sistemas mágicos. Leia mais em: www.xaoz.com.br

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