Meditação Andando

Local, Corpo e Mente, Objeto

Projeto Xaoz
5 min readJan 23, 2019

Texto adaptado de Brahmavamso, Ajaan. Meditação para Principiantes, Experientes e Avançados.

Ao contrário das outras posturas, a saber: sentada, deitada e em pé, a postura “andando” difere das mesmas pela ausência de estabilidade e completa mobilidade. O que pode ser uma postura interessante para iniciantes ou pessoas com problemas em se manter imóvel. Mas não se engane! Ela não é uma meditação somente para iniciantes! Ela possui insights profundos e a concentração advinda dela é mais duradoura do que as outras (com exceção dos Jhanas).

Teoria

Ao permanecer em uma posição estática, os sentidos são reduzidos. Se você fechar os olhos, eles tendem a diminuir rapidamente e facilitar a concentração. Isso não ocorre na meditação andando. Ao caminhar, você precisa saber para onde vai, sente estímulos de todos os sentidos, como o visual para ver o caminho. O auditivo ao perceber o som ambiente. O tato ao sentir vento e pisar no chão. Se você conseguir manter a mente concentrada durante o processo de caminhar meditando, a concentração advinda desse processo será muito mais duradoura e você levará isso para a vida. Fora que, após adquirir experiência em meditar andando, ao se utilizar de uma postura estática, a concentração será muito mais firme e os resultados serão alcançados mais rapidamente por serem posturas mais simplificadas.

No Cankama Sutta, o Buda diz: “Uma pessoa (ao meditar caminhando) se torna capaz de viagens, capaz de se esforçar, se torna saudável, o que ela ingere é digerido corretamente (…)”. Buda caminhava meditando por 16 km diariamente.

Local

Não é preciso um longo trajeto. Inicialmente um espaço com 15 passos de comprimento está por demais adequado. Quando não se tem experiência nessa prática, ao começar a caminhar, a mente tende a entrar em devaneio. Então uma área aberta, com diversos estímulos tende a ser prejudicial para a concentração ainda não desenvolvida. Mas conforme for aprimorando a técnica (a ser descrita), você pode mudar tranquilamente para uma área aberta. Procure, nesse caso, locais onde, obviamente, você poderá manter-se a salvo de problemas como assaltos, atropelamentos, quedas etc. Um monge tailandês costumava meditar andando em cima de um muro de 2 metros de altura para forçar a atenção e espantar a sonolência. Não precisamos chegar a tanto. É bom que, ao passar para área aberta, mesmo tendo possibilidade de caminhar sem fim, seja em uma área demarcada, um espaço restrito de alguns passos para ir e voltar repetidamente. Isso ajuda a mente não se distrair.

Corpo e Mente

Não é por estar andando que é bagunça. É uma prática meditativa e também possui posturas corporais e mentais que irão facilitar a unificação da mente. Qualquer meditação tem como objetivo o Samadhi, unificação da mente e sustentação dessa unificação. Ao caminhar de qualquer jeito, você não está meditando, está passeando sem pensar em nada. A postura de mãos mais adotada é a direita acima da esquerda e ambas na frente do corpo. Não deve-se caminhar com os braços soltos ou mãos para trás. Dessa forma, com a postura correta, você traz a mente para o objetivo, a meditação.

Antes de iniciar a caminhada, pare, faça o Anjali (postura do “Namastê”) e fique uns instantes quieto de olhos fechados, contemplando você mesmo e seu corpo. Pode mentalizar alguns objetos como as qualidades do Buda, fazer alguns mantras, o que preferir. Após esse tempo que você se acalma e se liga no aqui/agora, programe o tempo que irá caminhar. Seja 15 minutos, 30 minutos, 1 hora, até chegar num determinado local. Não importa o tempo. Cumpra-o! É um treinamento da mente e do corpo e eles precisam de disciplina. Coloque um despertador para evitar ficar olhando as horas toda hora. Coloque as mãos para frente na postura (mudrá) citado, olhe um metro, um metro e meio a frente de cabeça baixa e comece a caminhar tranquilamente. Não olhe para os lados. A única parte do mundo que existe é o espaço de um metro e meio a sua frente. Todo o resto do universo não existe.

Objeto de Meditação

Dentre os quarenta objetos descritos no Visuddhimagga (Buddhaghosa), dois podem facilmente serem empregados nessa postura. A primeira é a atenção plena ao corpo, nesse caso à sola dos pés. Toda a atenção deve ser voltada para essa parte do corpo. A cada pisada, cada levantar, devem ser percebidas as sensações agradáveis, desagradáveis ou neutras. Caso não esteja descalço, utilize um solado mais fino para aumentar a percepção. Chegando ao final do percurso, caso seja demarcado, dê a volta, estabeleça a atenção aos pés novamente e retome a caminhada.

  • Ao caminhar, a mente tende a entrar em devaneio. Evite. Quando perceber que a mente está vagando, traga-a de volta para atenção à sola do pé. Faça isso calma e naturalmente, não se exalte. Só traga-a de volta e continue a caminhar.
  • Outro objeto é a respiração. Ao caminhar, traga toda a atenção para a diferença de temperatura nas narinas ao inspirar/expirar. Inspira, as narinas esfriam. Expira, as narinas esquentam. Essa leve variação térmica é seu objeto.

Durante um dado momento, sua mente se unifica ou ao menos fica mais refinada. Com isso, o andar pode se tornar algo grosseiro demais para a mente nesse estado. Então pare e continue a meditação com a postura em pé. Apesar de termos determinado no início um tempo pré-estabelecido, lembre-se que a meditação é um exercício para a mente. Se a mente solicitar a mudança de postura móvel para postura estática, apenas faça. Feche os olhos e assuma a postura mais adequada.

Outro objeto que pode ser utilizado é a contemplação. Alguns dentre eles estão o Buda, a Lótus, uma das moradas de Brahma ou até mesmo uma sensação como a dor. Contemple. Sem aversão ou desejo. Contemple aquele objeto. Nesse caso específico alguns efeitos podem ocorrer, como uma “viagem mental”.

Ao contemplar um local, seja imaginário ou não, dependendo do estado em que a mente se encontra, ela corre o risco de ir até lá. Nesse momento, aconselho parar de caminhar. Ao contrário da imaginação que ocorre ao caminhar e que deve ser abstraída, esse tipo de insight é vívido. Sua mente é transportada para o tal local e seu corpo fica como se fosse um autômato. Então, dependendo do local em que se está praticando, acidentes podem ocorrer e não queremos isso.

Imagem: labirinto de meditação em Chartres.

Por: Allan Koschdoski

Referências: Brahmavamso, Ajaan. Meditação para Principiantes, Experientes e Avançados. s.l. : Bodhinyana Monastery, 2006; Khantipalo, Bhikkhu. Conselhos Práticos para Meditação. Acesso Ao Insight. [Online] 2013.

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Este projeto visa compilar, analisar e desenvolver as bases do conhecimento de sistemas mágicos. Leia mais em: www.xaoz.com.br

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